Breve história do microprocessador e do computador pessoal parte 3: O ataque dos clones

Por: Pedro Tróia
Tempo de leitura: 40 min

O IBM PC Model 5150

A coisa mais digna de nota cerca do produto que revolucionou o mercado dos computadores pessoais foi o facto de ter sido a IBM a construí-lo. Se qualquer outra empresa da altura tivesse construído e vendido o IBM Personal Computer Model 5150, podia até ser recordado com carinho, mas nunca como o produto que revolucionou toda uma indústria.

O estatuto que a IBM tinha garantiu que o PC ia criar e manter o nível de padronização necessário para que esta tecnologia fosse usada pela maioria dos utilizadores. Esse mesmo estatuto também assegurou que os concorrentes teriam acesso completo às especificações técnicas do Model 5150, porque a IBM era obrigada a fazê-lo para cumprir um decreto do Departamento de Justiça de 1956, que ditava a forma como a empresa devia funcionar, devido a práticas monopolistas passadas.

A terceira faceta do legado do Model 5150 era o facto de a IBM comprar os componentes para o construir a outros fabricantes. O negócio da IBM foi construído no pressuposto que a empresa desenhava e construía quase todos os componentes, o que maximizava o lucro à conta de alguma agilidade devido a rivalidades internas entre divisões, dentro de uma estrutura monolítica, que adicionavam bastante inércia ao processo de decisão.

O Model 5150 não foi a primeira tentativa da IBM para construir um computador pessoal. Já tinha havido quatro outros projectos, que foram abandonados devido ao mercado avançar muito mais depressa que os processos de decisão dentro da empresa. O longo caminho de desenvolvimento do computador IBM System/23 DataMaster, com processador Intel 8085, começou em Fevereiro de 1978. A chegada ao mercado em 1981 levou a uma mudança na estratégia de design e à mudança dos membros da equipa de design para outro projecto para construção de um novo computador pessoal.

O IBM DataMaster – Marcin Wichary from San Francisco, Calif. [CC BY 2.0]
O plano original de IBM era desenhar e construir um computador, baseado no processador Motorola 6800, no centro de pesquisa em Austin, Texas. O departamento de marketing da IBM tinha fechado um contrato de venda do novo computador através da cadeia de lojas Sears. No entanto, o plano estava ameaçado, porque a Motorola dava sinais que não ia conseguir fornecer o processador e os chips de suporte a tempo.

Um plano de contingência, chamado Project Chess, foi delineado para ser executado em paralelo com o de Austin e parecia que iria mesmo para a frente, depois da Atari ter contactado a empresa para estabelecer uma parceria para a construção de um computador pessoal, se a IBM o quisesse fazer. A autorização foi conseguida quando o director do projecto, William Lowe, se comprometeu a finalizar o design num ano. Para o conseguir, Lowe iria usar componentes fabricados por terceiros.

Só faltava escolher um processador e sistema operativo para o novo modelo. Lowe percebeu que a administração da IBM não iria gostar de ter um PC que pudesse ser uma ameaça, em termos de desempenho, aos computadores para aplicações profissionais.

Aparentemente, a intenção original seria usar um processador de 8 bits, o que quereria dizer escolher um 6502 da MOS Tech, um Z80 da Zilog ou um 8085 da Intel. Contudo, os engenheiros da IBM queriam usar um processador de 16 bits, tal como Bill Gates, que fez pressão junto da IBM para usar uma máquina de 16 bits de forma a conseguir mostrar o sistema operativo que estava a desenvolver. Um modelo de 32 bits estava fora de consideração, porque os processadores 68000 da Motorola e o 16032 da National Semiconductor só iam chegar ao mercado já fora do prazo que tinha sido assumido por Lowe.

A escolha foi um compromisso entre os 8 e 16 bits para eliminar os receios sobre a compatibilidade com o software e opções de expansão existentes e, ao mesmo tempo, reduzir os custos dos materiais através da utilização de um processador e chips de suporte que já estivessem disponíveis. Tudo mantendo as diferenças de desempenho entre o novo PC e as máquinas profissionais da IBM.

A decisão da IBM foi facilitada pelo facto de o mercado dos microprocessadores estar a transformar-se rapidamente num campo de batalha de uma guerra de atrito. A MOS Tech foi comprada pela Commodore, depois de quase ter sido dizimada pela guerra de preços no mercado das calculadoras com a Texas Instruments e de ter mudado o foco da inovação para a capitalização do sucesso do 6502. A Western Design Center (WDC) traria eventualmente a computação a 16 bits para a série de processadores 6500, mas, tal como aconteceu a muitos fabricantes de microprocessadores, a concorrência já os tinha tornado redundantes na altura em que chegaram ao mercado.

A sorte da Zilog também não foi melhor, como principal accionista e mais tarde o único, a Exxon deixou a empresa entrar num ciclo alucinante de diversificação dos seus produtos em que os gastos em pesquisa e desenvolvimento chegaram a consumir 35% dos lucros. Na mesma medida, as várias frentes de desenvolvimento ditaram o atraso do seu próprio processador de 16 bits, o Z8000. Nesta altura já se percebiam as dificuldades na gestão da empresa devido à inexperiência de Faggin e às exigências da Exxon.

Federico Faggin e Ralph Ungermann começaram a Zilog para construir microprocessadores, mas a Exxon comprou a empresa e outras fabricantes de produtos de electrónica, como parte de uma estratégia para fazer sombra à IBM. Que viria a ser um falhanço caro.

O declínio da Zilog, apesar do Z80 estar presente num enorme número de computadores, terminais e máquinas industriais, também se reflectiu nas empresas que licenciavam a sua tecnologia como segundas fontes de produção. A licença de fabrico do Intel 8085 de 8 bits que a AMD conseguiu não transitou para o 8086 de 16 bits. A busca por um produto de 16 bits viável colocou a Jerry Sanders a opção de entrar em contacto com a Motorola ou a Zilog, porque a solução da National Smiconductors prometia muito, mas com resultados muito fracos.

O Zilog Z8000.

Com os atrasos da Motorola e a incapacidade da AMD de produzir uma arquitectura própria competitiva, a Zilog parecia a opção mais atraente, visto que por ser uma empresa relativamente nova podia ser mais fácil formar uma parceria. Assim, o Z8000 foi escolhido pela AMD. A falta de retrocompatibilidade com os programas de 8 bits ditou o seu insucesso comercial e os clientes que antes tinham escolhido o Z80 viraram-se para a Intel. Enquanto que a Zilog tinha o muito bem-sucedido Z80 e o suporte da maior empresa petrolífera do mundo para minimizar as perdas, a AMD não tinha nada.

Do lado da Intel, a empresa tinha planeado um grande salto na arquitectura de processadores assim que o 8080 estivesse pronto. O novo componente, denominado internamente 8816, iria ter mais de quatro vezes o tamanho do chip de 8 bits da altura e ter funcionalidades de 16 e de 32 bits, bem como outras características que estão presentes num processador moderno.

A 14 de Abril de 1976 ficou provado que a nova arquitectura seria difícil de produzir e não estaria mais que provavelmente disponível a tempo para combater as ofertas de 16 bits da Motorola, Zilog, National Semiconductor e da Texas Instruments.

O que a Intel precisava era de um design intermédio para conseguir fazer face à concorrência e continuar a crescer. O gestor do grupo de software, Terry Opdendyk aceitou o desafio de desenhar uma nova arquitectura de processadores em 10 semanas, o tempo máximo estimado para que o chip estivesse à venda num ano. Opdendyk escolheu Steve Morse para chefiar a equipa de design. Morse era um engenheiro especializado em software e o autor da análise que condenou o 8816, que acabou por dar origem ao novo projecto. Esta foi a primeira arquitectura de chips da Intel a ser da responsabilidade de engenheiros de software em vez dos especializados em hardware.

O trabalho de desenho começou em Maio, com uma primeira versão a ser apresentada em Agosto. Bem dentro do prazo. Foram feitas duas exigências à equipa de desenho: o chip teria de ser retro compatível com o 8080 e teria de conseguir endereçar memória RAM até aos 128 KB, o dobro do 8080.

O processador Intel 8086.

A resposta ao segundo problema foi encontrada através de um método estranho de endereçamento segmentado, de forma a usar endereços de memória de 20 bits num chip que processava dados 16 bits de cada vez, o que lhe permitia o endereçamento de até um 1 MB de RAM. Mesmo não sendo uma solução elegante, quando o 8086 chegou a 8 de Junho de 1978, permitiu à Intel manter a liderança face à Motorola e Zilog na corrida para ter um processador de 16 bits viável comercialmente.

Um ano mais tarde, a Intel lançou o 8088, um processador mais barato que o 8086, que reduzia o bus externo de 16 para 8 bits para o tornar atraente aos clientes que não podiam gastar tanto e também aos que queriam aumentar o tempo de vida dos seus sistemas 8080 e 8085 e respectivo software.

O Motorola 68000.

Embora o 68000 da Motorola tenha sido lançado 15 meses depois do 8086, o seu design tinha várias vantagens, o que reduziu o avanço tecnológico que a Intel tinha assim que chegou ao mercado. Enquanto que a Zilog era vista como uma pequena empresa, independentemente do dinheiro que a Exxon gastava com ela, a Motorola era uma fabricante de semicondutores estabelecida que provas dadas e uma grande visibilidade no mercado.

Até esta altura a Intel nunca teve de se esforçar muito a convencer os clientes a comprar os seus produtos. As suas linhas de produtos eram geralmente superiores (ou pelo menos iguais) às da concorrência e a procura era normalmente maior que a oferta. Consequentemente, a estratégia de vendas da Intel era um misto de complacência e arrogância, por isso, com o Motorola 68000, os clientes ganharam uma oportunidade de reagir à atitude da empresa.

Perante este panorama, a Intel realizou a primeira campanha de marketing nacional baseada num relatório de oito páginas, publicado por Don Buckhout, um engenheiro da Intel, que mostra como o melhor design do processador da Motorola foi conseguido às custas da Intel. O objectivo da empresa era que cada um dos seus 170 vendedores conseguisse vender mais que a concorrência todos os meses do ano. Este plano ficou conhecido como “Operation Crush” (Operação Esmagamento), que tinha como objectivo óbvio esmagar a concorrência e mais concretamente a Motorola.

Na presença de um processador com características superiores, a Intel iria enfatizar o sistema como um todo, incluindo os chips de suporte, uma área em que a Motorola era relativamente fraca. A Intel era uma empresa dedicada aos processadores, enquanto que o negócio dos microprocessadores representava apenas uma pequena parte dos resultados da Motorola, que estava presente em muitos mercados diferentes. A Intel jogou a cartada do medo, incerteza e dúvida dos clientes. Perguntado se a Motorola iria conseguir manter o suporte, integração e uma cadência estável de lançamento de produtos futuros.

Apesar da atitude da equipa de vendas da Intel não facilitar a entrada nas boas graças dos potenciais clientes, o seu nível de suporte técnico e dos produtos eram de primeira qualidade. A Intel acabou por abandonar a regra de nunca promover um produto até que a produção estivesse em velocidade de cruzeiro, criando um catálogo de 100 páginas que elencava produtos futuros.

Em vez de se concentrar no 68000, em que tinha uma vantagem ao nível técnico e de marketing, a Motorola mordeu o isco e tentou responder aos produtos que Intel ainda não tinha, lançando as suas próprias alternativas, mais fracas. A partir desse ponto a vantagem que a Motorola e o 68000 tinham evaporou-se.

O objectivo da Intel era conseguir 2000 contratos de venda em Dezembro de 1980. O sucesso da “Operação Crush” foi de tal ordem que o número final foi mais perto dos 2500. Um dos melhores vendedores foi Bill Handel que conseguiu quase 100 contratos de fornecimento, incluindo um para componentes usados num sutiã que tinha um sistema de monitorização de temperatura que notificava a utilizadora quando era a altura ideal para a concepção. Handel e a sua equipa receberam como prémio 86 acções da Intel e uma viagem ao Taiti.

Enquanto Bill Handel ganhava o prémio da “Operação Crush”, Earl Whetstone, um vendedor de uma equipa da costa oposta dos Estados Unidos, contactou o laboratório de desenvolvimento da IBM em Boca Raton, Flórida, apesar de saber que a empresa tinha a tradição de desenhar os seus próprios processadores. Num golpe de sorte, exactamente na altura em que tinha começado o desenvolvimento do “Project Chess”. A “Operação Crush” tinha sido iniciada para dar o máximo de exposição ao 8086, mas o maior contrato que saiu dessa operação foi o da venda da versão de barramento híbrido 8 bits/16 bits do 8088, que tinha sido desenvolvida a partir do 8086, para o novo IBM PC Model 5150.

O processador Intel 8088.

Tal como acontecia com os mainframes, o IBM PC foi desenhado para permitir um grande nível de personalização. Contudo, enquanto a modularidade do mainframe era possível através da utilização de peças fabricadas pela própria IBM, o PC iria utilizar peças fabricadas por outras empresas. Inicialmente estavam disponíveis dois adaptadores gráficos, CGA (Color Graphics Adapter) pensado para os utilizadores domésticos e o MDA (Monochrome Display Adapter) para utilizadores comerciais e que incluía uma ligação para uma impressora de matriz. A placa principal, desenhada pela IBM, tinha cinco slots de expansão e uma vasta gama de opções de memória RAM, armazenamento e impressão.

Motherboard IBM PC 5150. Podem ver-se as ranhuras de expansão e o processador Intel 8088 logo acima.

Tal como parte do hardware, o sistema operativo também seria desenvolvido fora da IBM. O exagerado período de desenvolvimento do DataMaster fora atribuído a uma alteração à filosofia de design relacionada com o interpretador do BASIC e a IBM ainda se lembrava dessa lição. A sequência de acontecimentos exacta que levaram a IBM a escolher a solução da Microsoft não é conhecida na totalidade, mas começou com a IBM a contactar a Digital Research de Gary Kildall.

Durante o período de formação da indústria da computação pessoal, o sistema operativo CP/M, desenvolvido por Kildall, era a escolha de muitos fabricantes. Enquanto Kildall se concentrava no lado do sistema operativo, Bill Gates e Paul Allen tinham-se focado nas variantes da linguagem de programação BASIC. Até parecia existir um acordo de cavalheiros para que as duas empresas não entrassem em concorrência directa nos respectivos campos.

Mas este acordo tácito estava prestes a terminar com a associação e depois a aquisição da Compiler Systems pela empresa de Kildall, a Digital Research Inc. (DRI). A Compiler Systems era gerida por antigos alunos de Kildall e Gordon Eubanks, que tinha escrito uma versão do BASIC (chamada CBASIC) para a IMSAI. Durante a procura de um sistema operativo, a IBM quis reunir-se com Kildall com o objectivo de adaptar o CP/M para os processadores 8086 e 8088 para usá-lo no seu PC.

Quando o representante da IBM, Jack Sams, chegou às instalações da DRI para discutir a proposta, Kildall não estava e quando confrontada com o NDA (acordo de confidencialidade) que a IBM queria impor para que o desenvolvimento avançasse, Dorothy Kildall, a mulher de Gary, recusou-se a assinar até conseguir obter uma opinião dos advogados. É provável que Gary Kildall tenha chegado à reunião com algumas horas de atraso e tarde demais para discutir os aspectos específicos. O resultado foi que Sams voou para Seattle para se encontrar com Bill Gates.

O mais certo é que atitude despreocupada de Kildall estivesse em rota de colisão com a filosofia de trabalho de Sams (e consequentemente da IBM). Faltava o nível de profissionalismo e deferência que era devido à IBM, uma das mais importantes empresas dos Estados Unidos. A falta de urgência de Kildall em acelerar o desenvolvimento do que viria a ser o CP/M-86, um sistema operativo para os processadores 8086 e 8088, também era um grande obstáculo. Ao contrário, Bill Gates estava ciente do estatuto da IBM e estava pronto para aceder às suas exigências, se isso quisesse dizer o crescimento da sua empresa.

Mas havia uma pequena dificuldade: Bill Gates ainda não tinha um sistema operativo para vender à IBM. Mas sabia onde arranjar um. Gates contactou a Seattle Computer Products cujo sistema de desenvolvimento SCP-200B usava um processador 8086. E apesar de vender os sistemas, a SCP também teve o problema de não ter um sistema operativo para o 8086. A solução foi desenvolver um sistema baseado no CP/M em que as chamadas às API, que são usadas para que o sistema operativo consiga interagir com outro software, foram completamente copiadas do sistema original.

O resultado foi o QDOS (Quick and Dirty Operating System), lançado em Julho de 1980 (mas que apenas seria comercializado no final de Setembro), um mês antes da IBM ter começado a sua busca por um sistema operativo. Isto permitiu a Bill Gates e ao novo director comercial da Microsoft, Steve Ballmer, vender à IBM um acordo de utilização para o sistema operativo, software associado e quatro linguagens de programação baseado no pagamento de royalties.

Mas o aspecto mais importante do acordo firmado com a IBM é que a Microsoft continuaria livre para licenciar o MS-DOS a outros fabricantes.

A IBM aceitou e adiantou 700000 dólares, uma semana depois do QDOS ter sido adquirido pela Microsoft. A obtenção do sistema operativo pela Microsoft sem alertar a SCP para o negócio com a IBM foi a tarefa atribuída a Paul Allen, que negociou um acordo de pagamento com a SCP de 10000 dólares por cliente, mais 5000 se o código fonte fosse incluído e 10000 adiantados para fechar o negócio. A SCP pensava que Gates e Allen já tinham um grande número de licenças vendidas, apesar de existir uma cláusula contratual que tornava a lista de clientes da Microsoft confidencial. Na realidade, a lista continha apenas um único cliente: a IBM.

MS-DOS.

Tim Paterson foi contratado pela Microsoft quando o 86-DOS, como era conhecido, necessitou de uma revisão a pedido da IBM. Na altura em que o IBM PC estava pronto para o lançamento, Rod Brock, o dono da SCP estava quase falido, porque as licenças do 86-DOS que pensava estarem vendidas não se materializaram. Com o seu programador a trabalhar noutra empresa e sem fundos para continuar a funcionar, Brock aceitou vender o 86-DOS à Microsoft por 50000 dólares, o equivalente a dois minutos de vendas no pico de popularidade do MS-DOS, uma década mais tarde.

Uma das maiores preocupações da IBM era a integridade da sua cadeia de fornecedores. No contexto dos outros produtos da IBM, o que acontecia era uma divisão a fornecer produtos a outra. Fora da IBM, o outsourcing de componentes era prática comum, numa indústria onde os problemas de fabrico e de pouco aproveitamento dos produtos após o controlo que qualidade final eram coisas habituais, por isso, contra as objecções da Intel, a IBM exigiu uma segunda fabricante de chips para o 8088.

Uma segunda fonte de processadores também tinha a vantagem de acrescentar um segundo nível de controlo de qualidade, porque permitia comparar os produtos de dois fabricantes, tanto ao nível do desempenho, como do cumprimento dos prazos. A empresa preferida da IBM para segunda fonte de chips era a AMD, que na altura andava à procura de um substituto para a sua cópia do Zilog Z8000, o AMZ8000, que não tinha corrido muito bem do ponto de vista comercial.

À medida que o IBM PC se aproximava da altura do lançamento, os principais argumentos de venda giravam à volta de ser um computador barato para o consumidor comum.

Visto que a quota de mercado da Motorola diminuía para uns meros 15%, como resultado da “Operação Crush”, o candidato que restou parecia algo óbvio.

A Intel e AMD chegaram a acordo em Fevereiro de 1982. A Intel cumpria as exigências da IBM e a AMD, sabendo que a posição da Intel estava enfraquecida devido às exigências da IBM, conseguiu um bom contrato de licenciamento. A AMD pagaria royalties à Intel durante 3 anos, que posteriormente seriam reavaliados se a Intel quisesse usar opções de licenciamento de produtos da AMD. Esta parte do acordo iria durar 5 dos 10 anos previstos.

À medida que o IBM PC se aproximava da altura do lançamento, os principais argumentos de venda giravam à volta de ser um computador barato para o consumidor comum, fabricado por uma empresa americana icónica. Os entusiastas notaram a utilização de BIOS, a atenção aos detalhes que a IBM teve com a inclusão de um teste de diagnóstico POST de 14 passos (Power On Self Test) e um manual de utilização completo. Coisas que hoje damos como garantidas, mas que em 1981 eram revolucionárias.

A IBM não definiu uma configuração base formal, mas era mencionado um preço de 1595 dólares para a máquina, na sua forma mais simples. A versão que incluía todas as opções possíveis ultrapassava os 6000 dólares, com hardware extra, como duas drives para disquetes, kits de expansão de memória e sistemas operativos adicionais (o BASIC estava incluído, o MS-DOS custava 40 dólares, o CP/M-86 custava 240 e o UCSD p-System custava 695 dólares). O CP/M-86 estava incluído para evitar qualquer reacção adversa por parte da Digital Research.

Para os utilizadores do IBM PC que quisessem usar o CP/M, estavam disponíveis placas de expansão com processador Z80, como a Baby Blue da Xedex. O preço médio dos 13533 PC vendidos até ao fim do ano de lançamento situou-se nos 3000 dólares. As vendas do Model 5150 chegariam às 50000 nos seis meses seguintes e às 200000 ao fim de um ano.

A plca de expansão Baby Blue com processador Z80 da Zilog.

A chegada do Model 5150 não alterou muito o panorama da computação pessoal da altura. Esta máquina era simplesmente cara demais para a maioria e, tal como acontecia com o Apple II, as vendas vinham principalmente do mercado profissional. No entanto, o IBM PC tornou-se uma opção segura por causa da reputação da empresa que o fabricava. O efeito PC tornou-se mais evidente quando a sigla ‘IBM’ perdeu importância para ‘IBM Compatível’.

Os 13533 PC que foram vendidos pela IBM no final de 1981 representaram menos de 1% das vendas totais de computadores e 1,9% dos lucros do mercado dos PC, que valia na altura 3 mil milhões de dólares no total. A Radio Shack e a Apple venderam 37% do total de computadores (20 e 17 por cento respectivamente). O que a IBM conseguiu fazer foi dar um impulso quase instantâneo ao mercado das placas de expansão e uma base sólida para o desenvolvimento de software.

O Sinclair ZX81, o antecessor do ZX Spectrum.

Em 1982 seriam vendidos 2,8 milhões de computadores pessoais em todo o mundo, o dobro do ano anterior. Uma parte significativa deste crescimento foi devido à chegada do Commodore 64 que iria redefinir o mercado dos computadores de baixo custo, que até à data era dominado pelo VIC 20, também da Commodore, dos Atari 400 e 800 e do TRS 80. O novo ZX81 da Sinclair iria conseguir entrar no mercado dos computadores de ultrabaixo custo, que estava até àquele momento reservado às calculadoras de bolso.

Estas máquinas, de gama mais baixa, impulsionaram o mercado do entretenimento digital, com o Commodore 64 a manter e melhorar o movimento dos gráficos baseados em sprites que começou com a consola Atari 2600, apesar do universo dos gráficos de computador estar prestes a ser revolucionado.

1982 assistiu ao nascimento de empresas e produtos que definiram vários sectores da indústria da computação pessoal, como a SGI, Hercules, Diamond Multimedia, Orchid Technology, Number Nine, o AutoCAD da Autodesk e da Electronic Arts. A On-Line transformou-se na Sierra On-Line, através do crescimento proporcionado pela sua associação com a IBM, como aconteceu com o software Peachtree Accounting da MSA, com EasyWriter da IUS, com o processador de texto WordPerfect da ISS, e com a aplicação de folha de cálculo que se tornou o sinónimo de IBM PC: o Lotus 1-2-3.

Um ecrã da icónica folha de cálculo para MSDOS, Lotus 123.

O capital que permitiu o arranque da Lotus Software originou em parte nas duas pessoas que também estiveram por trás do financiamento de outras duas empresas: a Silicon Graphics (SGI) e Electronic Arts. L.J.Sevin e Ben Rosen também financiaram metade do capital inicial da Compaq Computers, que foi criada por três engenheiros que saíram da Texas Instruments e que perceberam que havia mercado para uma versão portátil do IBM PC.

A Compaq não estava sozinha ao perceber que as vendas dos PC dependiam mais do software disponível do que da soma do hardware dentro da máquina, por isso, o produto ideal seria um que pudesse usar software que já existisse. Com a IBM a liderar, era claro qual seria o padrão que iria ser adoptado pelo mercado. O facto de se poder conotar com a IBM dizendo que o produto era “Compatível com o IBM PC” era um bónus.

As empresas que queriam viver à sombra dos líderes de mercado não eram novidade. A Franklin Computer tinha lançado uma cópia descarada do Apple II e embora a Apple tenha processado a Franklin, a empresa continuou a copiá-la até 1983, quando a Apple ganhou definitivamente o processo.

A única protecção que a IBM tinha contra potenciais imitadores era o BIOS e a falsa certeza de que os seus concorrentes não seriam capazes de obter componentes mais baratos que os obtidos pela ‘Big Blue’.

A contra corrente, a Compaq consultou primeiro a sua equipa de advogados antes de se lançar num projecto para a construção de um PC IBM compatível.

Lançado em Junho de 1982, o MPC 1600 da Columbia Data Products foi o primeiro clone do IBM PC e apesar de ser mais barato que o Model 5150, o BIOS, que tinha sido obtido através de engenharia reversa não era completamente compatível com o hardware e software feito para os computadores IBM. A Eagle Computers, Corona e a Handwell tentaram fazer as suas máquinas arrancar com o BIOS da IBM (o código completo estava incluído no manual do PC), o que deu trabalho extra à formidável equipa de advogados da IBM. Alguns fabricantes tentaram melhorar as funcionalidades do Model 5150, nomeadamente a DEC com o Rainbow 100 e a Seequa com Chameleon, que tinham ambos um processador Z80, para além do 8088, mas ambos falharam porque não tinham compatibilidade completa com o PC da IBM.

A contra corrente, a Compaq consultou primeiro a sua equipa de advogados antes de se lançar num projecto para a construção de um PC IBM compatível. Para se proteger usou uma táctica de “sala limpa” em que o programador do BIOS nunca viu o código original da IBM. A Phoenix Technologies usaria a mesma metodologia para conceber a sua ROM BIOS que estava ao alcance de qualquer fabricante que quisesse ter compatibilidade total com o hardware IBM por 25 dólares por chip mais um pagamento de 290000 dólares para o licenciamento.

O computador “portátil” da Compaq.

O primeiro produto da Compaq foi o Portable Personal Computer, lançado a 4 de Novembro de 1982, esta foi também a primeira máquina completamente compatível ao nível do hardware e software com o Model 5150 da IBM. As primeiras 300 unidades foram entregues em Janeiro de 1983 com 50000 vendidas no final desse ano, parte do milhão de computadores, baseados no 8088, vendidos nesse ano. Apesar dos números de vendas não o indicarem (a IBM vendeu 500000 em 1983 e a Apple 750000, que juntos igualavam as vendas do Commodore 64), a chegada dos clones e em particular da Compaq deram o primeiro sinal do fim da curta dominância que a IBM teve neste mercado. O poder estava agora do lado das empresas que davam força ao PC e aos seus imitadores: a Intel e a Microsoft.

O negócio da Apple não incluía a Intel ou a Microsoft e aparentemente estava a ser muito bem-sucedido. A empresa tinha entregue o seu milionésimo Apple II em Junho de 1983 e esta máquina continuou a ser o seu best seller até ao aparecimento do Macintosh. Em contraste, o relativo insucesso do Apple III, devido à falta de atenção ao detalhe durante o processo de design e a uma linha de montagem robótica que não conseguir montar os chips nas placas com força suficiente para fazerem contacto.

O Apple III.

A recomendação que a Apple fez aos clientes, de pegarem várias vezes nos seus computadores, a alguns centímetros da mesa, e deixá-los cair para que os chips ficassem bem encaixados e começassem a funcionar correctamente, deu uma ideia de muito pouco profissionalismo. O projecto Lisa, que empregou muitas das ideias que Steve Jobs viu aquando da sua visita aos laboratórios Parc da Xerox, em Dezembro de 1979, também se tornou um sorvedouro de recursos da empresa. Os gastos em pesquisa e desenvolvimento para recriar o que Jobs viu no PARC chegou aos 50 milhões de dólares, mil vezes o custo de desenvolvimento do Apple II. A única coisa boa que adveio disto foi que essa tecnologia acabou por ser empregue em produtos posteriores, mesmo que as vendas do Lisa se tenham limitado a 100000 unidades.

O Apple Lisa. Um dos primeiros computadores pessoais a usar rato e uma interface gráfica.

O principal problema do Lisa era o preço. Por 10000 dólares a unidade, o mercado alvo era muito pequeno e tornava-se ainda mais pequeno pelo facto do Lisa não ter capacidades de rede.

O Apple Macintosh original.

A Apple rectificou o problema do preço com o Macintosh, um projecto que foi desenvolvido simultaneamente com o Lisa, e que incorporava muitas das mesmas tecnologias num design mais simples, que custava apenas um quarto do preço do Lisa. O lançamento do Macintosh em Janeiro de 1984 foi feito com um célebre anúncio dirigido por Ridley Scott, baseado em 1984 de George Orwel.

O Macintosh iria manter a quota de mercado da Apple com vendas muito estáveis, apesar das baixas de preço e da consequente baixa de lucros, devido ao lançamento do Windows 3.0 e mais importante: das aplicações de produtividade para o Windows, como o Excel e o Word que começaram a entrar no mercado tradicional da Apple.

As vendas totais de computadores pessoais nos quatro anos desde o lançamento do Altair foram de 200000 em todo o mundo. Uma década depois, em 1988 foram vendidos 19 milhões de computadores pessoais. Uma indústria que começou em garagens, transformou-se num negócio de milhares de milhões de dólares, em que a camaradagem dos entusiastas se transformou em concorrência selvagem e que iria usar as patentes e a propriedade intelectual como armas económicas.

Esta é a terceira parte de cinco.

Se quiser pode ler as anteriores aqui:

Breve história do microprocessador e do computador pessoal parte 1: o primeiro processador comercial

Breve história do microprocessador e do computador pessoal parte 2: O fim do duopólio da Intel e da Motorola

Sou director da PCGuia há alguns anos e gosto de tecnologia em todas as suas formas. Estou neste mundo muito por culpa da minha curiosidade quase insaciável e por ser um fã de ficção científica.
Exit mobile version