Breve história do microprocessador e do computador pessoal. Parte 4: Wintel, o casamento do século

Por: Pedro Tróia
Tempo de leitura: 42 min

1984 – 1996: A consolidação do poder

“Não há razão para que qualquer pessoa queira ter um computador em casa”. Esta citação do fundador da Digital Equipment Corporation, Ken Olsen, de 1977 espelha bem a atitude das empresas em relação à computação pessoal nos primeiros anos desta indústria.

Ken Olsen (à esquerda), um dos fundadores da Digital Equipment Corporation.

Os computadores eram mainframes e minicomputadores, que podiam custar milhões de dólares e eram vendidos em números expressos por um único algarismo (por mês), já para não falar que o custo inicial era apenas uma fracção do total, se contarmos com as actualizações e com os contratos de assistência técnica.

O ambiente nas décadas antes da revolução dos microprocessadores era fraternal, no que respeita à partilha de ideias e invenções. Entre as baixas expectativas das empresas envolvidas e a necessidade de terem aliados para criarem uma base de apoio para a indústria que estava a começar, os primeiros tempos do PC passaram num espírito de cooperação que desde aí desapareceu de tal forma que custa a acreditar que alguma vez existiu.

À medida que a indústria dos circuitos integrados se tornou mais lucrativa, antigos colegas que eram parte de uma comunidade muito próxima criaram uma diáspora industrial quando as ideias e aplicações (e o apelo do dinheiro) começaram a exceder a capacidade das empresas onde trabalhavam de as materializar. As pequenas empresas que começaram com camaradagem e entusiasmo transformaram-se em coisas monolíticas que empurraram muitas pessoas para a saída.

A existência da Intel deveu-se à desagregação da Shockley Electronics e da Fairchild Semiconductor, a partida de Federico Faggin e Ralph Ungermann para criar a Zilog, bem como as partidas de David Stamm e Raphael Klein, que saíram para formar a Daisy Systems e a Xicor Incorporated, respectivamente.

Andy Grove da Intel estava determinado a impedir que a sua empresa fosse esventrada, como aconteceu à Fairchild. Os processos judiciais transformaram-se em lições para os empregados na Intel, num esforço de protecção da sua propriedade intelectual (coisa em que a Fairchild falhou espectacularmente), num meio de bloquear os recursos financeiros dos concorrentes e de atrasar o lançamento de novos produtos.

Alguns destes processos foram completamente justificados. Mais do que alguns concorrentes viram no sucesso dos 8088 e 8086 um convite para copiar completamente o design da Intel, incluindo a NEC, que conseguiu, todavia, ganhar uma segunda batalha legal, quando defendeu os seus chips da série V, que eram clones do 8086, obtidos através de engenharia reversa. Mas outros processos foram usados como arma económica contra concorrentes.

Quando um grupo de empregados, liderado por Gordon Campbell, saiu para aproveitar o crescimento do mercado das EEPROM com a fundação da Seeq Technology, a Intel processou a nova empresa por ordem de Andy Grove. Influenciado por Arthur Rock, o processo judicial também foi dirigido à empresa de capital de risco que forneceu o capital inicial para fundar a Seeq, que, ironicamente, incluía Gordon Moore da Intel como investidor. A defesa legal da Seeq e a própria empresa receberem muito dinheiro, o que levou a uma resolução mais ou menos pacífica do caso, que foi obtida em grande parte devido à influência apaziguadora do advogado da Intel, Roger Bovoroy, depois da Seeq ter dado a entender que iria entrar num acordo de licenciamento com a Zilog.

Jerry Sanders um dos fundadores da AMD.

O grande conflito seguinte foi também o mais longo e violento desta indústria, e aconteceu porque não existiram nenhumas influências que conseguissem acalmar os ânimos. Bovoroy tinha abandonado a Intel e dos oito fundadores da AMD, só restava Jerry Sanders, o arquitecto de chips e voz da razão Sven-Erik Simonsen foi o último a partir.

A relação da Intel com a AMD tornou-se abertamente hostil em Setembro de 1984

A relação da Intel com a AMD tornou-se abertamente hostil em Setembro de 1984 quando jornalistas perguntaram a Jerry Sanders como é que a AMD tinha conseguido lançar as EEPROM licenciadas pela Intel antes da própria Intel. E Sanders começou a discursar acerca da falta de capacidade de fabrico da Intel.

Como a Intel estava ansiosa para se livrar da AMD como segunda fonte de chips no fabrico do 386, as declarações de Sanders foram o ponto de ignição numa situação já de si muito volátil. O acordo existente entre as duas empresas obrigava ao cruzamento de licenças, mas a Intel recusou as ofertas da AMD (um controlador de armazenamento e um chip gráfico, o Quad Pixel Display Manager), forçando a AMD a pagar royalties à Intel devido à licença de fabrico do 286.

A litigância começou em 1987, com a AMD a alegar que tinha havido uma quebra do contrato. A Intel respondeu com um processo por utilização indevida da sua propriedade intelectual (o FPU 287) por parte da AMD, a que se seguiu um outro processo interposto pela AMD por abuso de posição dominante da Intel e finalmente um segundo processo interposto pela Intel por causa da propriedade intelectual do AM486 da AMD.

Ambos os lados ganharam os processos respectivos e, aparentemente, a calma regressou em 1995. A AMD recebeu 10 milhões de dólares e os direitos de construção do 386 em 1993, bem como 18 milhões com os direitos de construir o 486 e fazer outsourcing de até 20% da sua produção de chips x86. A Intel recebeu 58 milhões de dólares da AMD por utilização indevida da sua propriedade intelectual.

Mais importante para a Intel foi ter conseguido bloquear a evolução da AMD durante um período de forte crescimento no mercado dos microprocessadores e dos computadores pessoais. Numa altura em que a AMD queria dar o passo para o nível seguinte no contexto das empresas de fabrico de semicondutores – apesar de ainda depender bastante do fabrico de hardware licenciado – a expansão da empresa foi muito prejudicada. Mas o pior ainda estava para vir porque o acordo original entre a AMD e a Intel iria acabar a 31 de Dezembro de 1996.

Mais importante para a Intel foi ter conseguido bloquear a evolução da AMD durante um período de forte crescimento no mercado dos microprocessadores e dos computadores pessoais

A Intel negociou um acordo mais duro antes do anterior expirar. Em troca da continuação de utilização da propriedade intelectual da Intel, a AMD não teria acesso ao microcódigo da Intel depois do fim de vida da arquitectura 486 e os processadores da AMD depois do final de vida da arquitectura 586 não poderiam ser compatíveis com os sockets da Intel (ou seja: não poderiam ser usados em motherboards para processadores Intel). Isto queria dizer que a AMD estava agora numa corrida contra o calendário de desenvolvimento da Intel, não só para produzir o seu próprio processador, mas também para produzir os seus próprios chips de apoio ao processador (chipsets) e placas principais. A oferta de um chip mais barato que o equivalente da Intel já não seria o suficiente.

Para a Intel, os processos da AMD foram só mais alguns focados na patente ‘338 também conhecida como “Crawford Patent” (que define o sistema de memória cache do processador e respectiva interacção com a memória RAM), que a empresa tinha em tribunal, incluindo um contra a UMC (que ganhou), contra a Chips and Technologies e contra a Cyrix, que acabaram em acordos.

Os primeiros anos da indústria dos microprocessadores foram baseados num modelo vertical, em que o desenho e fabrico dos chips estavam a cargo da mesma entidade. Os meados dos anos 80 foram a altura do surgimento das primeiras empresas de desenho de semicondutores sem capacidades de fabrico (empresas “fabless”), optando por contratar uma outra empresa, independente, que se dedicasse exclusivamente ao fabrico (cuja uma das pioneiras foi a TSMC), ou uma empresa de design com capacidades de fabrico de chips para terceiros, se a propriedade intelectual a ser usada estivesse licenciada e não existisse nenhum conflito de interesses.

Um dos primeiros processadores ARM pertencente a um sistema de testes.

Surgiu assim um conjunto de empresas que tinham muito conhecimento técnico, mas não tinham capital para investir em meios de fabrico: a NexGen (IBM), Cyrix (Texas Instruments, SGS-Thomson, IBM), Chips and Technologies (Hitachi e Toshiba) e a Western Design Center estão entre as mais conhecidas. A lista também inclui a Acorn, uma pequena empresa britânica, que começou por desenhar processadores Acorn RISC Machine (mais conhecidos por ARM), que eram fabricados pela VLSI Technology.

Nenhuma das empresas que basearam os seus produtos na arquitectura X86 conseguiu resistir, mas contribuíram bastante para o avanço desta indústria. A Chips and Technologies funcionava com um orçamento muito limitado, mas produzia chipsets integrados para o IBM PC-XT e clones, o que permitia baixar os custos de fabrico. Também produziu a primeira placa gráfica VGA compatível com computadores IBM que iniciou uma nova geração de produtos gráficos 2D.

A lista também inclui a Acorn, uma pequena empresa britânica, que começou por desenhar processadores Acorn RISC Machine (mais conhecidos por ARM), que eram fabricados pela VLSI Technology.

A Cyrix transformou-se no parente pobre do mercado dos processadores e combinava bons desempenhos nos cálculos com números inteiros com desempenhos medíocres em cálculos mais complexos de virgula flutuante, o que era exactamente que acontecia também com alguns produtos da AMD. A longa batalha legal com a Intel acerca dos direitos de fabrico de processadores x86 gastou recursos preciosos à empresa. A situação ficou pior quando a IBM começou a vender chips desenhados pela Cyrix, com a sua marca e a um preço mais baixo.

A Cyrix seria adquirida pela National Semiconductor em 1997 e depois vendida à VIA em conjunto com a licença de fabrico de chips x86, com excepção da linha MediaGX que acabaria os seus dias sob o nome Geode que pertencia à AMD.

A NexGen seria um player periférico no mercado dos processadores e, tal como a fazia a Cyrix, vendia chips desenhados por si, sem utilizar propriedade intelectual da Intel. Mas, ao contrário da Cyrix, cujos produtos eram compatíveis a 100% com os encaixes para processadores Intel, o que fazia com que pudessem ser usados directamente nas motherboards dos PC, os NexGen Nx586 necessitavam de um socket próprio de 463 pinos e do chipset NxVL, o que limitava muito as oportunidades de mercado, quando o chipset 430FX Triton da Intel substituiu o Neptune, que tinha um desempenho mais fraco.

Enquanto que o mercado do hardware estava num estado de guerra legal constante, a batalha pela supremacia no mercado do software também não era nenhum mar de rosas.

A posição de mercado da NexGen tornou-se ainda mais precária pela rápida cadência de desenvolvimento da Intel, pelo aumento das velocidades de relógio e pela rápida desvalorização dos modelos anteriores. Isto acabaria por ser o fim da empresa. O processador seguinte da NexGen, o Nx686 nunca veria a luz do dia com esse nome, porque a empresa foi comprada pela AMD após o seu próprio chip da classe 686, o K6, não ter conseguido atingir os objectivos de desempenho. O K6 que chegou ao mercado acabou por ser baseado no design da NexGen.

Enquanto que o mercado do hardware estava num estado de guerra legal constante, a batalha pela supremacia no mercado do software também não era nenhum mar de rosas. O sucesso dos IBM PC e dos seus clones fez surgir três impérios de software de um dia para o outro: Microsoft, Lotus e a Aston-Tate.

Um ecrã da folha de cálculo VisiCalc.

O grande sucesso inicial do programa de folha de cálculo VisiCalc para o Apple II, transformou as duas metades deste negócio em inimigos nas salas dos tribunais. A batalha começou por causa dos 37,5% de royalties por cada cópia vendida no retalho e 50% por cada cópia OEM (Original Equipment Manufacturer), que a editora Personal Software (mais tarde chamada VisiCorp) devia à empresa que desenvolveu o software, a Software Arts. Durante estes tempos conturbados, Mitch Kapor, que chefiava a equipa de desenvolvimento de dois add-ons para o VisiCalc, chamados VisiPilot e VisiTrend, vendeu a sua participação no código à VisiCorp e montou a Lotus Software. Apostando no sucesso da IBM e do MS-DOS da Microsoft, Kapor e o programador Jonathan Sachs desenvolveram o Lotus 1-2-3.

O sucesso dos IBM PC e dos seus clones fez surgir três impérios de software de um dia para o outro: Microsoft, Lotus e a Aston-Tate.

A compatibilidade do Lotus 1-2-3 com as máquinas da IBM foi um grande sucesso, tendo-se transformado num dos grandes argumentos de venda do IBM PC, tal como o VisiCalc tinha sido um bom motivador para comprar um Apple II. Este sucesso do programa de folha de cálculo da Lotus ficou a dever-se muito ao facto de ter sido programado especificamente para arquitectura Intel do IBM PC.

O programa rival, chamado Context MBA era um software mais completo, mas tinha sido escrito em p-System para lhe permitir ser utilizado em mais arquitecturas. Isto pagou-se em tempo de resposta, por causa da camada de tradução utilizada para comunicar com as arquitecturas diferentes.

Tal como aconteceu com muitas outras empresas que lançam um excelente produto de estreia, também a Lotus sentiu a pressão para lançar um produto seguinte que fosse comparável, ou, preferencialmente, maior e melhor. Depois do 1-2-3, a empresa lançou os programas de folha de cálculo Symphony e Jazz, que, por serem algo insípidos, não conseguiram manter o impulso que tinha sido ganho pelo Lotus 1-2-3. Isto levou a Lotus a retrair-se da pesquisa e desenvolvimento e a optar pela compra de propriedade intelectual.

Depois do 1-2-3, a empresa lançou os programas de folha de cálculo Symphony e Jazz, que, por serem algo insípidos, não conseguiram manter o impulso que tinha sido ganho pelo Lotus 1-2-3

À medida que a empresa crescia, caiu num padrão de litigância para manter a sua posição, depois de Jim Manzi ter assumido a presidência. Um processo contra a Paperback Software em 1987 foi ganho em Junho de 1990, enquanto outros que alegavam que a Mosaic Software tinha roubado o “look and feel” do Lotus 1-2-3, no programa VP Planner e TheTwin, foram ganhos em Junho de 1990 e Janeiro de 1991. Adicionalmente, a Borland Software foi obrigada a remover macros do 1-2-3 do seu programa de folha de cálculo Quattro Pro.

O que a Lotus significava no mercado dos programas de folha de cálculo para PC seria duplicado pela Ashton-Tate, com o sistema de gestão de bases de dados dBase. O sucesso inicial foi muito grande, mas as versões posteriores foram sendo progressivamente menos importantes. O declínio foi ainda mais acentuado após a morte do fundador George Tate e a ascensão de Ed Esber ao lugar cimeiro da empresa. Com a empresa baseada num único produto, a Ashton-Tate comprou propriedade intelectual na forma do conjunto de programas de produtividade Frameworks e do processador de texto MultiMate da Forefront Corporation. Mas como a empresa era desorganizada e funcionava essencialmente através de reacção em vez de acção, acabou por desaparecer.

O espaço da Lotus foi desaparecendo à medida que a Microsoft ia ganhando cada vez mais mercados. Um exemplo clássico da voracidade da Microsoft é o um relacionado com o programa de paginação Aldus PageMaker, que foi desenvolvido para integrar a impressora laser LaserWriter da Apple com o Macintosh. O sucesso deste programa e o facto de não ter capacidades de processamento de texto convenientes levou a Aldus a desenvolver um programa de processamento de texto, com o nome de código ‘Project Flintstone’. Depois de descobrir que este programa estava a um ano de ser lançado, Bill Gates demonstrou o programa concorrente, o Word for Windows, ao fundador da Aldus, Paul Brainerd, dizendo-lhe que estaria pronto daí a seis ou nove meses, quando na realidade ainda seriam necessários dois anos de desenvolvimento até estar pronto. Após esta demonstração o ‘Project Flintstone’ foi abandonado.

O sucesso da Microsoft não ficou a dever-se apenas ao jeito e oportunidade de Bill Gates como negociador, mas também ao facto de a estrutura da empresa estar construída para separar a gestão, das pessoas que desenvolviam os produtos. Foram definidos objectivos de curto, médio e longo prazo. O de longo prazo era simples: ser o número um.

A Microsoft cresceu a um ritmo exponencial, graças à IBM. Mas, no final dos anos 80, tornou-se claro que a IBM estava sob ataque cerrado de concorrentes mais ágeis. No entanto, a IBM e a concorrência tinham uma regra obrigatória comum: usar o sistema operativo e aplicações da Microsoft. A expansão do mercado da computação pessoal e do software da empresa de Redmond, de uma plataforma virada para o mercado profissional para o mercado pessoal, coincidiu com o crescimento da Internet e da sua crescente acessibilidade.

O sucesso da Microsoft não ficou a dever-se apenas ao jeito e oportunidade de Bill Gates como negociador, mas também ao facto de a estrutura da empresa estar construída para separar a gestão, das pessoas que desenvolviam os produtos.

A Internet evoluiu a partir de um conjunto de redes fechadas e incompatíveis, que estavam reservadas a académicos e programadores. A adopção de standards comuns (nomeadamente os protocolos TCP/IP e HTTPS) e o impulso para a sua comercialização eram, até àquele ponto, custeados pelo governo. Com a expansão da rede a partir da pesquisa, a partilha de dados e de tempo de computador, para uma reflexão daquilo que os utilizadores queriam realmente (correio electrónico, compras online e interacção com a comunidade), os browsers web tornaram-se num negócio atractivo.

O ecrã inicial do NCSA Mosaic.

Da primeira vaga de browsers, o Mosaic da NCSA foi o mais bem-sucedido e acabou por ser licenciado a várias empresas. Posteriormente, o programador do Mosaic, Marc Andreessen, fundou a Netscape Communications e o browser Netscape Communicator transformou-se no mais popular do mercado, com 80% de quota no primeiro ano após o lançamento.

O Netscape Communicator.

A resposta de Microsoft foi comprar a licença de utilização do Mosaic à Spyglass para produzir o Internet Explorer, mas a sua adopção foi muito lenta até ao momento em que a empresa decidiu incluí-lo com o Windows 95 de graça, o que o transformou num sucesso instantâneo.

A Microsoft viria a pagar 8 milhões de dólares à Spyglass para evitar problemas legais. Contudo, iria debater-se com problemas legais devido a um processo relacionado com abuso de posição dominante, imposto pela União Europeia e pelo Departamento de Justiça do Estados Unidos, por incluir o IE com o Windows dificultando o acesso de outros browsers ao mercado e também por ter ameaçado retirar a licença de venda do Windows à Compaq, se esta decidisse oferecer o Netscape Navigator com os seus computadores.

A resposta de Microsoft foi comprar a licença de utilização do Mosaic à Spyglass para produzir o Internet Explorer, mas a sua adopção foi muito lenta até ao momento em que a empresa decidiu incluí-lo com o Windows 95 de graça, o que o transformou num sucesso instantâneo.

A decisão de oferecer o Internet Explorer com o Windows permitiu à Microsoft desfazer a quota de mercado da Netscape em três anos. Em 2002, a utilização do IE chegou a 96% de quota e iria manter-se o líder de mercado durante mais dez anos, até que uma alteração fundamental na percepção da computação pessoal mudaria o equilíbrio de poder.

Essa alteração foi o resultado de tornar a computação pessoal mais pessoal, à medida que as pessoas descobriram que a utilização de computadores não era uma coisa estática, mas que podia até ser uma companhia constante. Os computadores pessoais podiam ser usados para o entretenimento, como acessório de moda e em alguns casos, até se tornaram uma necessidade psicológica.

O computador portátil HP 110.

A computação móvel começou no nível mais baixo do mercado: as calculadoras. Isto porque, no início, o peso e dimensão dos componentes dos computadores portáteis tornavam-nos mais transportáveis do que portáteis. Na primeira geração, os computadores portáteis eram sinais de estatuto e, por isso, muito caros. Tipicamente tinham um processador Intel, um ecrã LCD sem retroiluminação que normalmente apenas conseguia mostrar 8 linhas de texto de cada vez, apesar do HP-110 da Hewlett-Packard incluir um modo gráfico com 480 x 120 pixéis, ou 420 x 200 com o HP-110 Plus, enquanto que o GriD Compass 1101 conseguia mostrar gráficos com 320 x 240 por um preço que ia dos 8000 aos 10000 dólares.

A Intel gastaria 100 milhões de dólares a desenvolver o 386, mas a indústria em geral estava apaixonada pelo 286, graças ao seu baixo custo e ao número de fabricantes que vendiam versões desse processador.

Também estavam disponíveis outros modelos, mas baratos e com menos funcionalidades, como o HX-20 da Epson, o Sharp PC-5000 e o Koytronic 85 da Kyocera, que foi licenciado à Olivetti, Tandy e NEC. A redução de funcionalidades era devida à necessidade de usar processadores mais baratos e que gastassem pouca energia. Algo que foi resolvido com o lançamento do 386SL pela Intel em 1990, quatro anos depois do lançamento do 386.

O processador Intel 386.

A Intel gastaria 100 milhões de dólares a desenvolver o 386, mas a indústria em geral estava apaixonada pelo 286, graças ao seu baixo custo e ao número de fabricantes que vendiam versões desse processador. Com um custo de fabrico de 141 dólares, mais 34 que o 286, o preço de 900 dólares pedido pelo 386 representava um grande aumento de despesa num mercado que ainda não estava preparado para usar computadores de 32 bits.

O DeskPro 386 da Compaq e o Access da ALR foram ambos lançados em 1987, sete meses antes do PS/2 da IBM, que nesta altura já era uma sombra do que já tinha sido no mercado dos PC. Com a Microsoft a criticar uma indústria que teimosamente ainda estava agarrada aos processadores de 16 bits (e em alguns casos à compatibilidade com os 8 bits), os OEM que usurparam o lugar de líder de mercado, descobriram rapidamente que esse lugar era uma ilusão. A campanha de marketing “X vermelho” da Intel lançada em Outubro de 1989 tinha como objectivo trazer a indústria para os 32 bits, tentando ultrapassar os construtores e falando directamente aos consumidores.

Foram publicados anúncios de página inteira em jornais e revistas, com o número 286 com um ‘X’ vermelho pintado por cima, num esforço para levar os consumidores a identificar o computador de que necessitavam através do fabricante do processador.

Esta campanha tinha sido desenhada para marginalizar as empresas que ainda tinham licenças de fabrico do 286 (Harris, AMD, IBM, Fujitsu e Siemens), mas também para vender processadores 386. A campanha conseguiu transmitir rapidamente a ideia de que os vários fabricantes estavam a vender tecnologia ultrapassada e aumentar a percepção de que a Intel era a líder incontestada do mercado.

Foram publicados anúncios de página inteira em jornais e revistas, com o número 286 com um ‘X’ vermelho pintado por cima, num esforço para levar os consumidores a identificar o computador de que necessitavam através do fabricante do processador.

Esta campanha também provou que a Intel não necessitava de segundas fontes de chips para nada, o que desafiou os outros fabricantes para apresentarem as suas próprias ofertas na classe 386. O desafio foi aceite pela AMD que mostrou a sua mestria no fabrico de processadores, com os primeiros 18 wafers de seis polegadas, que ficaram prontos em Agosto de 1990 e em que apenas tinham um chip Am386 com defeito.

Entre Março de 1991 e o final do ano, as vendas do Am386 totalizaram os 200 milhões de dólares, o que corresponde a um total de 2 milhões de processadores vendidos. Isto permitiu conquistar 14% de quota de mercado. Nos primeiros três meses de 1992 foram vendidos mais dois milhões de processadores. As vendas iriam continuar constantes, mesmo depois da Intel ter lançado o 486, que estava disponível em várias versões incluindo com barramento externo de 16 e 32 bits e modelos Overdrive, mas os números de vendas escondiam outra verdade:

O 386 tinha precisado de quatro anos e meio para conseguir 25% de quota de mercado, enquanto o 486 conseguiu chegar a essa meta em três anos e meio, com o processador seguinte, o Pentium, a conseguir ultrapassá-lo em 18 meses.

A era do Pentium seria o momento em que a Intel iria conseguir uma distância maior em relação aos concorrentes, pela adopção de um nome que podia ser registado como marca. A empresa iria capitalizar e expandir a campanha do “X vermelho”, com outra que durou mais tempo: a “Intel Inside”. Que conseguiu transformar a marca Intel no identificador comum, quando os potenciais clientes se deparavam com uma grande variedade de marcas de computadores. Esta campanha incluiu anúncios de TV, que tinham uma música característica, bem como um programa de publicidade subsidiada para os vários fabricantes que usavam e promoviam os produtos Intel.

Em três anos, 1200 empresas juntaram-se à campanha e a exposição combinada conseguiu elevar as vendas da Intel em 63% no primeiro ano. Com menos projecção foi a decisão de se dedicar ao fabrico de componentes com as suas primeiras motherboards. Isto significou o fim de vários fabricantes, mas aumentou as garantias de qualidade dos OEM que compravam os seus componentes.

O 386 tinha precisado de quatro anos e meio para conseguir 25% de quota de mercado, enquanto o 486 conseguiu chegar a essa meta em três anos e meio, com o processador seguinte, o Pentium, a conseguir ultrapassá-lo em 18 meses.

O sucesso desta campanha foi tal, que, para muitas pessoas à procura de um computador novo, o processador vinha primeiro que a marca do fabricante da máquina. Isto foi uma inversão total do panorama do mercado em cinco anos. Foi nesta altura que a AMD precisou de combater a Intel no campo das marcas, para além do nível tecnológico, mas não estava sozinha.

A Apple, IBM e a Motorola formaram a aliança AIM em Julho de 1991 para o desenvolvimento da arquitectura PowerPC baseada em RISC, como alternativa à crescente influência das soluções ‘Wintel’. Para cobrir todas as frentes, a IBM também fez uma parceria de 10 anos com a Intel em Novembro do mesmo mês, para o desenvolvimento de processadores. O grande perdedor desta luta foi a arquitectura de 64 bits RISC Alpha XP da DEC. A recusa da IBM em usá-la para desenvolvimento seguiu-se à decisão da DEC em recusar o convite da Apple para usar o 21064 em futuros modelos Macintosh, tomada cinco meses antes.

Todos os esforços da Intel podiam ter sido obliterados pela descoberta de erros nos Pentium, pelo Dr. Thomas Nicely em Junho de 1994, pouco mais de um ano após o início da comercialização desses processadores. A publicidade negativa que adveio da Intel não ter reconhecido o trabalho de Nicely, chegou ao mainstream após uma reportagem emitida pela CNN.

A resposta oficial da Intel às reclamações foi que todos os chips contêm erros. Algum tempo antes 50000 unidades do 486 tinham sido transformados em porta-chaves e a Ciryx tinha parado a produção do seu 486DX para resolver um problema na unidade de cálculos de virgula flutuante, mas a Intel, que tinha conseguido recentemente trazer o seu nome para a ribalta, estava a ser mais escrutinada pelos consumidores, que esperavam que qualquer produto com defeito fosse substituído. Independentemente de que produto fosse.

A empresa escolheu proteger a marca em vez de fazer lucro rápido, oferecendo um pedido de desculpas público e trocando o processador a todos os clientes afectados. As perdas totalizaram os 475 milhões de dólares, com um milhão de clientes afectados, mas conseguiu evitar perdas maiores para a sua imagem.

Quando os murmúrios de insatisfação se transformaram em gritos de revolta, a IBM suspendeu as vendas de equipamentos com processadores Pentium. A resposta da Intel foi decisiva depois do erro de, num primeiro momento, ter desvalorizado o caso. A empresa escolheu proteger a marca em vez de fazer lucro rápido, oferecendo um pedido de desculpas público e trocando o processador a todos os clientes afectados. As perdas totalizaram os 475 milhões de dólares, com um milhão de clientes afectados, mas conseguiu evitar perdas maiores para a sua imagem.

O bug FDIV do Pentium foi uma referência constante dos detractores da Intel, mas não fez mossa na empresa. No ano seguinte a Intel conseguiu um crescimento de 31% nas vendas gerais de semicondutores, uma quota de mercado de 77% em todo o mundo em unidades e de 82% em facturação.

Já no campo dos outros componentes, dos 76 milhões de chipsets vendidos em 1995, a Intel transaccionou 1,5 milhões, enquanto a SiS, VIA, OPTi e a Acer Labs (Ali) produziram quase 33 milhões entre si.

No final de 1996, o novo negócio de motherboards da Intel permitiu escoar 40 dos 71 milhões de chipsets fabricados em todo o mundo, condenando os fabricantes de produtos low cost a fechar, aumentando ao mesmo tempo a qualidade média dos componentes. Naquela altura havia um grande mercado de placas baratas, com especificações inflacionadas e, em alguns casos, com componentes que não funcionavam.

Tal como acontecia com o processador da Cyrix, o processador da AMD tinha tendência a aquecer mais que o Pentium, o que limitava o apelo aos overclockers. O processador seguinte, o K6, provou ser o que o K5 não conseguiu.

Finalmente a AMD conseguiu começar a vender o seu processador da classe 586 em Março de 1996. O processador tinha sido anunciado em Setembro do ano anterior como sendo 30% mais rápido que o Pentium. Mas não conseguiu dar resposta às espectativas. Estava previsto chamar-se K5, mas foi mudado para SSA/5 antes do lançamento. O núcleo do processador e a estrutura da cache foram melhorados e a segunda vaga, já denominada K5, começou a ser vendida em Outubro de 1996.

O AMD K6.

Apesar de ser muito melhor que anterior, também não vendeu muito bem. Tal como acontecia com o processador da Cyrix, o processador da AMD tinha tendência a aquecer mais que o Pentium, o que limitava o apelo aos overclockers. O processador seguinte, o K6, provou ser o que o K5 não conseguiu.

As encomendas da DEC para o Venturis FX-2 e da IBM para a sua linha de baixo custo Aptiva ajudaram a tornar o K6 conhecido. Contudo, a quota de mercado ficaria abaixo dos 10%, em grande parte devido às vendas da versão do Pentium para portáteis e dos um último trimestre muito forte da Intel em que os 4,4% de vendas da AMD contrastavam com os 91,1% da Intel.

A chegada do K6-II em Maio de 1998 iria guindar a AMD para os 12% do total de vendas de chips x86, num ano em que as vendas mundiais de computadores pessoais passaram pela primeira vez a barreira dos 100 milhões de unidades vendidas. O K6-II viria a dominar o mercado dos computadores de secretária abaixo dos 1000 dólares com o seu desempenho interessante a preço baixo, vendendo o dobro das unidades que o Celeron da Intel e do MII da Cyrix em conjunto no primeiro trimestre de comercialização.

No final dos anos 80, a computação pessoal estava a viver os efeitos das economias de escala. Os processadores e chipsets consolidaram as funções de muitos circuitos integrados individuais em menos componentes mais baratos. Enquanto que os processadores evoluíram o suficiente para se tornarem uma base em que os fabricantes podiam construir gamas inteiras de componentes para computadores desktop e portáteis que necessitavam de menos consumo para potenciar a vida das baterias.

No final dos anos 80, a computação pessoal estava a viver os efeitos das economias de escala. Os processadores e chipsets consolidaram as funções de muitos circuitos integrados individuais em menos componentes mais baratos.

Um dos problemas que limitava o crescimento era a falta de capacidade de produção para suprir as necessidades do mercado. As vendas de computadores pessoais estava a crescer 10% ao ano à custa dos utilizadores pessoais e do mercado dos gráficos 3D, que estava a começar, graças à chegada da placa aceleradora 3D, a Voodoo Graphics da 3dfx e de jogos como o Half-Life da Valve, lançado em 1998.

A placa aceleradora Voodoo que se ligava à placa gráfica através de um cabo externo.

Um importante sinal de que os tempos estavam a mudar ainda mais rapidamente foi a campanha Free-PC, que começou a 8 de Fevereiro de 1999, em que se ofereciam computadores Compaq com acesso à Internet gratuitamente em troca de anúncios e do seguimento da sua utilização. A campanha terminou em Fevereiro de 2000 com 25000 clientes a assinarem e muitas pequenas lojas de computadores a falir.

Esta é a quarta parte de cinco.

Se quiser pode ler as anteriores aqui:

Breve história do microprocessador e do computador pessoal parte 1: o primeiro processador comercial

Breve história do microprocessador e do computador pessoal parte 2: O fim do duopólio da Intel e da Motorola

Breve história do microprocessador e do computador pessoal parte 3: O ataque dos clones

Sou director da PCGuia há alguns anos e gosto de tecnologia em todas as suas formas. Estou neste mundo muito por culpa da minha curiosidade quase insaciável e por ser um fã de ficção científica.
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