Breve história do microprocessador e do computador pessoal parte 2: O fim do duopólio da Intel e da Motorola

Por: Pedro Tróia
Tempo de leitura: 42 min

Tal como aconteceu com o 8008, o processador 8080 da Intel também teve alguns atrasos iniciais no desenvolvimento. Apesar disso, acabou por se tornar um dos chips mais influentes da história, mesmo enquanto a gestão da empresa continuar a focar-se no desenvolvimento e fabrico de sistemas de memória completos para o lucrativo mercado dos computadores mainframe.

O desenvolvimento inicial do 8080 só começou a meio de 1972, seis meses depois de Federico Faggin ter começado a tentar convencer a administração da Intel para o iniciar. Nesta altura, os mercados potenciais para os microprocessadores começavam já a surgir. Até esta altura, a atitude mais comum centrava-se na ideia de que o microprocessador tinha de coexistir ou usurpar o papel dos mainframes e minicomputadores, bastante mais poderosos. Os computadores ainda eram vistos como um negócio caro para ambientes empresariais, industriais e científicos, por isso, os mercados para uma nova geração de máquinas pessoais, relativamente baratas, ainda não existiam, nem tão pouco passavam pela cabeça dos decisores da indústria.

O Intel 8080.

O 8080 foi lançado em Abril de 1974. E, apesar do seu desenvolvimento se ter atrasado, o principal concorrente do processador da Intel, o Motorola 6800, também teve alguns problemas de adaptação do chip e do processo de fabrico n-MOS para uma única linha de entrada de 5 volts (o 8080 necessitava de três entradas diferentes de corrente), o que atrasou o lançamento por quase sete meses. Sem a presença de um concorrente directo, a Intel estava sozinha no mercado e só tinha de encontrar clientes com imaginação suficiente para conseguirem ver as possibilidades que este novo componente lhes dava.

O Motorola 6800.

As outras peças do puzzle: um sistema operativo e uma embalagem que fosse apelativa aos consumidores, também estavam a dar os primeiros passos. A Intel contratou Gary Kildal, um doutorado no design de compiladores, que dava aulas na escola de pós-graduação da Marinha dos Estados Unidos, para escrever software que conseguisse emular um sistema 8080 (que ainda não existia) num minicomputador PDP-10 da DEC (Digital Equipment Corporation). Esse software, o Interp/80, seria complementado por uma linguagem de alto nível que imitava a XPL, que era usada nos mainframes na altura, chamada PL/M.

Kildall acelerou o processo, inventando um sistema baseado num kit de desenvolvimento Intellec-8 da Intel e uma drive de disquetes que lhe tinha sido dada. Isto conseguiu aliviar os atrasos associados com o método de input/output baseado em telétipo do minicomputador da DEC. O código resultante iria transformar-se mais tarde no CP/M (Control Program for Microcomputers), o sistema operativo dominante durante os sete anos seguintes, até à chegada do MS-DOS. Na altura em que chegou o primeiro sistema operativo da Microsoft, estavam em uso mais de 500000 computadores com CP/M. E até podiam ter sido mais, se tudo se tivessem passado de outra forma.

Kildall ofereceu o CP/M à Intel por 20000 dólares, o que foi recusado. A empresa não estava interessada num sistema operativo que fosse executado a partir de disquetes, nem em qualquer software que não estivesse relacionado com aplicações empresariais. Inicialmente, as vendas do CP/M limitaram-se a apenas dois clientes: A Omron Corporation of Japan e aos laboratórios Lawrence Livermore. O terceiro cliente de Kildal, a IMSAI, iria colocar o CP/M em primeiro plano entre os sistemas operativos para computadores pessoais nos sete anos seguintes.

Na altura em que o Intel 8080 começou a ser produzido em larga escala, Ed Roberts, dono de uma pequena empresa, chamada Micro Instrumentation and Telemetry, ou MITS, que se dedicava inicialmente à venda de hardware para radioamadores e entusiastas da construção de foguetões miniatura, quis construir uma comunidade para os entusiastas de computadores e assim assegurar o futuro da empresa.

O último produto da MITS, um kit para a construção de uma calculadora básica, tinha começado a ser produzido mais ou menos ao mesmo tempo em que a Texas Instruments tinha lançado a sua linha de modelos de calculadoras, mais sofisticadas e baratas, o que ditaria o fim de muitas empresas pequenas que se dedicavam ao mesmo negócio. Roberts procurou capitalizar no interesse que os amantes da electrónica demonstraram no kit para a construção de um computador Mark-8 de Jonathan Titus.

Roberts conseguiu obter o fornecimento de processadores 8080 por 75 dólares cada (o preço inicial de cada um, definido pela Intel, era de 360 dólares por unidade, tal como o do 6800 da Motorola) e construiu o Altair 8800 para usar placas de componentes ligadas a um chassis desenhado pela MITS. Esta máquina era pouco sofisticada, se olharmos do ponto de vista da electrónica de consumo, mas servia, porque foi pensada exclusivamente para os entusiastas e para a nova vaga de estudantes de computação que estava a surgir nessa altura.

O lançamento do Intel 8080 deu o empurrão necessário para Jonathan Titus construir o seu próprio computador. O Mark-8 foi capa do número de Julho de 1974 da Radio-Electronics Magazine, com um artigo com instruções de montagem e uma lista de componentes a comprar. O Altair 8800 apareceu no número de Janeiro de 1975 da revista Popular Electronics.

Ed Roberts previu que algumas centenas de entusiastas comprassem o seu computador. Na realidade, o artigo resultou em cerca de 1000 encomendas, que se transformaram em 5000 em seis meses e em 10000 por alturas de Dezembro de 1976. Mas isto não foi a salvação de que a MITS estava à espera.

O Altair 8800.

O preço do Altair era mantido baixo artificialmente para ajudar nas vendas, com grande parte dos lucros centrada na venda de opções de expansão do hardware. Esta estratégia imitava outra que tinha servido bem à IBM. Pelo menos até que o preço das memórias cair e a Intel começar a vender sistemas de memória DRAM compatíveis com o IBM System/360. O mesmo aconteceu à MITS quando os entusiastas começaram a vender alternativas às suas opções de expansão, mais baratas e muitas vezes mais fiáveis. A começar pelo módulo de memória de 4K, compatível com o Altair fabricado Robert Marsh para o Homebrew Computer Club.

O artigo publicado na Popular Electronics despertou curiosidade em Bill Gates e Paul Allen, que contactaram a MITS para escreverem uma linguagem BASIC específica para o computador. Gates, Allen e Monte Devidoff, que escreveria as rotinas para os cálculos mais complexos, teriam o que viria a chamar-se Altair BASIC pronto para demonstração em Fevereiro.

Uma fita de papel perfurado original do Altair BASIC escrito por Gates e Allen.

A primeira linguagem de programação escrita especificamente para um computador pessoal começou a ser distribuída com o Altair (ou com as expansões para o computador) por 75 dólares a unidade ou por 500 se fosse comprada em separado. Claro que começaram imediatamente a aparecer cópias piratas, levando Bill Gates a escrever a famosa “carta aos entusiastas” em Janeiro de 1976. Bill Gates construiu a ‘Micro-Soft’ à sua imagem: sem vergonha de ser uma empresa feita para ganhar dinheiro, numa era em que o entusiasta era rei.

A cópia da fita de papel perfurada onde estava guardado o Altair BASIC iniciou a tradição do lançamento rápido de versões pirata de software, que levava o autor a perder muito dinheiro. A ‘Micro-Soft’ de Bill Gates e Paul Allen viria a estar na origem das linguagens BASIC da Commodore, Amiga, Radio Shack, Atari, IBM, NEC, Apple entre outros.

O IMSAI 8080 apareceu em filmes da década de 80, como Wargames.

O Altair 8800 foi um grande sucesso, principalmente porque não tinha concorrência quando apareceu. A IMS Associates clonou o Altair e deu-lhe o nome de IMSAI 8080, mas em vez do BASIC usava uma versão adaptada do CP/M.

Num ano, a IMSAI já estava a erodir rapidamente as vendas do Altair, conseguindo tomar conta de 17% do mercado, contra 22% do Altair. Os novos sistemas SOL-10 e SOL-20 da Processor Technology, que também eram baseados no 8080, iriam conseguir 8%, bem como o 6800 da Southwest Technical Products, baseado no Motorola 6800.

A rapidez de chegada ao mercado, aliada a um processo de fabrico eficaz foram as chaves para a visibilidade do Intel 8080, mesmo sendo um produto inferior ao Motorola 6800. Mesmo assim, ambas as empresas gastavam grande parte do seu tempo e energia a tentar vender o 8080 e o 6800 a clientes empresariais.

Nesta altura ainda não se tinha percebido o potencial para o entretenimento oferecido pelos computadores baseados em microprocessadores. As consolas de jogos domésticas, como a Magnavox Odyssey e o predecessor, o jogo de arcada Pong da Atari, ainda não faziam parte da consciência do público. Por isso, a Intel e a Motorola competiam pelos contratos de fornecimento de soluções empresariais e industriais, com os seus lucrativos acordos de assistência técnica. O potencial de entretenimento destas novas tecnologias iria começar a ser percebido no ano seguinte.

1977 foi o ano em que o duopólio da Intel e Motorola acabou abruptamente. As equipas de desenho de microprocessadores dividiram-se e reorganizaram-se. Uma facção dentro da Motorola, liderada por Chuck Peddle, fez pressão dentro da empresa para a produção de uma versão mais barata do 6800. O preço entre os 300 e os 360 dólares limitava as aplicações em que podia ser utilizado e Peddle viu oportunidades numa alternativa mais barata para computação de entrada e aplicações industriais de baixo custo.

Chuck Peddle, Bill Mensch e outros cinco engenheiros deixaram a equipa de desenho da Motorola e foram para a MOS Technology, outra empresa de fabrico de chips, que tinha sofrido muito com a guerra de preços no mercado das calculadoras iniciada pela Texas Instruments. Começaram a trabalhar numa versão optimizada e de custo reduzido do 6800. 11 meses despois anunciaram o MC6500, que, para além de ser mais barato, conseguia melhores aproveitamentos por wafer que o processador da Motorola, devido a usar um processo de fabrico menos exigente.

Federico Faggin, o arquitecto chefe do 8080, também saiu da Intel pouco tempo depois do chip estar pronto. Principalmente por estar frustrado com as ingerências de Andy Grove e porque Les Vadász tinha pedido (e recebido) uma patente da invenção de um contacto especial, que era um passo vital na produção de transístores MOSFET. A última gota para a saída foi a política de Intel em considerar o microprocessador uma forma de vender mais memórias.

Faggin e o engenheiro Ralph Ungermann saíram nos finais de 1974 para fundarem a Zilog. A nova empresa foi logo contactada pela maior petrolífera do mundo da altura, a Exxon, com uma oferta de investimento.

A Exxon pagou 1,5 milhões de dólares por 51% da empresa. Ungermann e Faggin começaram logo a trabalhar nos melhoramentos ao 8080 e ofereceram-no à Intel, que recusou acreditando que fazer negócio com ex-empregados seria convidar outros a sair.

O Zilog Z80 foi um dos processadores mais usados do seu tempo.

O primeiro chip fabricado pela Zilog, o Z80, foi desenhado em nove meses por apenas três pessoas, Faggin, Ungermann e Masatoshi Shima (que também tinha saído da Intel), mais três engenheiros e um conjunto de designers para o desenho litográfico. O desenho do chip foi completado em Dezembro de 1975 e começou a ser fabricado pela Nostek, uma startup formada por ex-empregados da Texas Instruments, que iria rivalizar com a Intel nos primeiros tempos da produção de circuitos integrados e eclipsá-la na produção de memórias DRAM.

Commodore Pet.
Foto por Anastasia Dulgier – Unsplash

Tal como o 6502 da MOS Tech, o Z80 era mais fácil de implementar que o 8080 da Intel e mais barato que 8080, que o seu sucessor, o 8085, e que o 6800 da Motorola. Esta simplicidade levou o Z80 a ser escolhido para fazer funcionar o TRS 80 da Tandy (Radio Shack), enquanto que o 6502 teve uma longa associação à Commodore (que viria a comprar a MOS Technology), com a utilização no computador PET 2001. Outro computador em que o Z80 foi utilizado foi o famoso ZX Spectrum, lançado em 1982.

O ZX Spectrum foi a porta de entrada para o mundo da computação de uma geração inteira.

O MOS 6502 também viria a ser usado na linha de computadores da Apple. O apaixonado pela electrónica e membro do Homebrew Computer Club, Steve Wozniak, tinha pedido à Hewlett-Packard, a empresa onde trabalhava, para desenvolver um computador pessoal. Ele construiu a primeira placa principal do Apple I em dois meses, nos tempos livres. Wozniak viria a ser o catalisador para a existência da Apple, enquanto que Steve Jobs moldaria a empresa, definindo a sua estratégia e imagem.

Apesar da placa principal estar completamente montada e a funcionar, o cliente do Apple I tinha de fazer uma caixa e instalar o teclado. Crédito: Wikipedia – Rebelpilot

Se Steve Wozniak adorava construir computadores, Jobs adorava a ideia de vendê-los. Por não ter ao jeito para a electrónica e inspiração de Wozniak, tinha um grande sentido para os negócios e conseguiu ver oportunidades no novo mercado da electrónica. Juntou-se a Wozniak, que tinha conhecido na HP, e Ronald Wayne (que sairia da Apple semanas depois), para construir 200 unidades do Apple I na garagem dos pais, com a ajuda de um par de assistentes que ainda andavam na escola. Conseguiram vender 175 unidades em 10 meses desde o lançamento em Julho de 1976. Embora sendo tecnicamente um kit porque o cliente tinha de comprar uma caixa e os periféricos, a placa principal vinha completamente montada e funcional.

Os fabricantes de computadores desta época eram definidos por engenheiros e pelos seus feitos. O estilo pouco tinha a ver com as vendas de computadores e muitas vezes era visto como uma coisa frívola. Steve Jobs fez do estilo uma das razões para comprar produtos Apple, com um logotipo cheio de cores e publicidade dirigida ao mundo dos negócios, artes e ciência.

Ele também reconheceu que muitos dos fabricantes de computadores não tinham uma infraestrutura por trás. Muitas obrigavam a comprar os seus produtos por correio ou estavam disponíveis apenas em cadeias de lojas que os vendiam em exclusivo, mas nunca em lojas da própria marca. Muitos utilizadores tinham de procurar, ou criar, o seu próprio software ou resolver problemas no hardware. A visão de Jobs passava pela Apple ser capaz de fornecer o pacote completo: vendas, suporte, software e periféricos, tornando a experiência do utilizador o mais transparente e profissional possível.

O Apple I foi uma experiência muito valiosa, mas, para dar o passo seguinte, a empresa precisava de capital. Wozniak e Jobs foram apresentados a A.C. “Mike” Markkula, um amigo de Robert Noyce que tinha sido despedido recentemente da Intel por ordens de Andy Grove. Markkula investiu 91000 dólares do seu próprio dinheiro e conseguiu também uma linha de crédito de 250000 dólares em troca de um terço da empresa.

O Apple II.

Wozniak virou as atenções para o refinamento do design do Apple II, que foi o primeiro computador pessoal a obter sucesso financeiro durante o seu tempo de vida. Uma vez mais, usou um processador 6502 da MOS Technology e grande parte do sucesso comercial do Apple II deveu-se à insistência de Wozniak em incluir várias ranhuras (slots) para expansão, apesar das objecções de Steve Jobs.

As oito ranhuras disponíveis ofereciam a opção de usar coprocessadores – placas de expansão que começaram com a SoftCard em Março de 1980, que incluía um Zilog Z80 e uma cópia do Microsoft Disk BASIC por 349 dólares. Seguiram-se outras opções semelhantes para o Motorola MC6809 (OS-9), Intel 8088 (CP/M-86 e MS-DOS) e mais tarde o Motorola 68008.

As ranhuras também permitiam uma grande variedade de ligações e personalização, desde drives para disquetes a placas de som, passando por controladores série e mais memória. Esta gama de opções deu ao Apple II uma vantagem sem comparação no sector dos negócios, onde o computador pessoal estava a começar a ganhar terreno como alternativa viável aos mainframes e minicomputadores a funcionar em sistema de timesharing. O grande nível de personalização permitiu a muitas pessoas terem a sua primeira experiência de computação devido à adopção desta máquina em larga escala em escolas, instalações científicas, no governo e nas empresas.

O Apple II aberto.

Dos 48000 computadores pessoais vendidos em 1977, o Apple II era o mais reconhecível e desejado, graças ao merketing que se sobrepunha ao de outras empresas mais antigas, como a Vector, Ontel, Polymorphic, Heathkit, IMSAI, MITS e Cromemco.

O sucesso financeiro do Apple II e a sua rápida entrada na mente do público não passou despercebido aos outros players do mundo dos semicondutores. Depois da Apple se estabelecer como marca e a quantidade de software aumentar, empresas mais pequenas quiseram apanhar o comboio da Apple. A mais conhecida foi a Franklin Computer Corporation, cuja cópia descarada do Apple II manteve os tribunais ocupados durante anos.

Em 1978 foram vendidos 200000 computadores, o que correspondeu a 500 milhões de dólares e outras empresas quiseram emular o sucesso da Apple, mas sem a copiar. A parte do mercado ocupado pela Apple na altura correspondia a 30 milhões, com 20000 computadores vendidos. Em comparação a Tandy vendeu 100000 unidades do TRS 80 e gerou 105 milhões e a Commodore, com a venda de 25000 PET 2001 obteve 20 milhões de dólares.

Tandy TRS-80.

Grande parte do sucesso da Apple no mercado empresarial, que no início estava completamente fora do radar da empresa, deveu-se à associação com o programa de folha de cálculo VisiCalc, que, só por si, vendia muitos computadores.

Para os consumidores, os anos seguintes trouxeram avanços incrementais em tecnologia e na infraestrutura necessário para o fortalecimento desta indústria. O microprocessador de 8 bits cresceu em ubiquidade à medida que os processadores, o suporte e os circuitos de memória foram ficando cada vez mais baratos, o que eventualmente os tornou num produto que começou a aparecer em todos os tipos de aplicações, dos mais caros aos mais baratos. Com esta expansão no mercado dos microcomputadores veio também a explosão da quantidade software que alicerçou as vendas futuras de hardware.

Antes da revolução das máquinas de 8 bits entrar em velocidade de cruzeiro, uma recessão mundial fez com que a venda de microprocessadores caisse, o que levou a uma baixa de preços generalizada no mercado dos semicondutores em 1974. As empresas maiores passaram estes tempos de “vacas magras” relativamente sem problemas, mas as empresas mais pequenas, que estavam a erguer-se sofreram bastante, o resultou num grande número de reorganizações, compras e parcerias.

Uma das empresas mais afectadas foi a AMD. Como funcionava como uma segunda fonte de chips a preços mais baixos, o valor da AMD caiu para 1,5 dólares por acção, um décimo do preço da entrada em bolsa. A acrescer a isto a empresa estava sob a ameaça de um processo judicial da Intel por causa de uma infracção de propriedade intelectual relacionada com a linha de chips EPROM. A AMD precisava desesperadamente de um microprocessador para vender para conseguir sobreviver e impedir um processo judicial que iria perder de certeza.

A Intel desejava a nova unidade de cálculos de virgula flutuante da AMD (FPU, Floating Point Unit), um coprocessador matemático que podia funcionar em conjunto com o microprocessador para fazer cálculos aritméticos. Este FPU também se encaixava numa imagem mais ampla de domínio do mercado que a Intel tinha na batalha de marketing que travava com a Zilog, Motorola e MOS Tech. Ter a AMD como segunda fonte para 8085 e sucessores deu ao desenho da Intel uma maior penetração no mercado e mais importante: a AMD não iria vender os processadores da concorrência.

As duas empresas chegaram a um acordo após meses de negociações e ameaças de parte a parte. A Intel iria receber royalties e pagamentos punitivos da AMD pelos designs que estavam a vender e acesso pontual ao licenciamento dos designs da AMD. A AMD iria receber uma licença para o 8085 incluindo ao nome, máscaras de fabrico e o direito de vender o chip como sendo completamente “compatível Intel”.

chi Crédito: Christian Bassow

Para fechar o acordo, a Intel ofereceu microcódigo à AMD, porque foi feito ver aos representantes da AMD que os designs futuros iriam provavelmente incluir microprogramação. Embora este facto não fosse particularmente importante na altura, esta clausula do contrato viria a ter ramificações nos anos seguintes. A sobrevivência da AMD parecia mais certa e foi assegurada através de uma parceria com a empresa alemã Siemens, que tinha falhado recentemente a compra da Intel, que fazia parte de um plano para reduzir a vantagem que as fabricantes americanas de circuitos integrados tinham em relação às europeias.

Do ponto de vista do consumidor, o mercado ficou mais ou menos estático, à medida que os fabricantes melhoravam as suas ofertas. A computação de 8 bits espalhou-se porque a quantidade de software exclusivamente para este tipo de máquinas limitou adopção da tecnologia de 16 bits. Na altura em que os primeiros processadores de 16 bits ficaram prontos para venda, havia mais de 5000 aplicações de 8 bits disponíveis para CP/M e mais 3000 para o Apple II.

À medida que os microprocessadores continuaram a ser optimizados e a crescer em complexidade, a estrutura de apoio também cresceu. A densidade da memória aumentou com os melhoramentos nos métodos de fabrico a permitirem a utilização de mais transístores, ao mesmo tempo que também aumentava a capacidade das disquetes e discos rígidos através do aumento da densidade a que os dados podiam ser gravados nesses suportes. Muitos aspectos da computação pessoal moderna, que agora tomamos como garantidos já estavam a ser desenvolvidos pelo Augmentation Research Center (ARC) da SRI, sob a batuta de Douglas Engelbart e, mais tarde, no Palo Alto Research Center (PARC) da Xerox.

O trabalho de Engelbart no desenvolvimento dos mapas de bits (bitmapping) levou directamente à interface gráfica de utilização (Graphical User Interface, GUI) que conhecemos hoje. Até aquela altura, quando se mostrava informação visualmente num ecrã queria dizer que apenas a última linha de dados estava activa. O início de uma nova linha fazia com que a anterior ficasse bloqueada permanentemente.

O que Engelbart queria era tornar todo o ecrã interactivo. Com isto veio a navegação com um dispositivo apontador no ecrã, o que levou ao desenvolvimento do rato. Estas tecnologias, bem como do copy/paste, hipermédia, janelas no ecrã, edição em tempo real, videoconferência e ligações dinâmicas entre ficheiros foram todas mostradas na “Mother of all demos” a 9 de Dezembro de 1968. Pode ver um excerto da apresentação no vídeo abaixo. Se quiser ver a apresentação completa (dividida em três partes) clique aqui.

O PARC refinou e expandiu o trabalho de Engelbart. Uma empresa que girava em tono do papel, a Xerox percebeu que estava rapidamente a ser marginalizada pelo computador e conseguia imaginar um futuro em que os escritórios já não utilizariam papel. Assim, a empresa montou o PARC para pesquisar e desenvolver alternativas se o negócio principal da empresa entrasse me declínio.

O Computer Science Laboratory (CSL) no PARC era gerido por Bob Taylor, que tinha ganho importância como director da ARPA e foi um dos principais elementos por trás do desenvolvimento da ARPANET, o primeiro esboço da Internet que hoje conhecemos e usamos. O CSL começou por ser um programa dedicado a ciência pura (ou básica), o que quer dizer que trabalhava apenas para avançar o conhecimento e não para criar produtos comerciais.

Nos primeiros anos depois da sua criação em 1970, o PARC conseguiu uma grande lista de avanços: o melhoramento do GUI (algo que iria impressionar muito um jovem Steve Jobs quando visitou as instalações), a invenção da impressora a laser e a criação da primeira estação de trabalho no mundo: a Alto.

A estação de trabalho Xerox Alto com rato e um monitor ao alto.

Muitas vezes lembrada como um falhanço caro, a Alto era vista como sendo uma máquina com engenharia a mais. Dada a quantidade de trabalho para que foi desenhada, a quantidade de funcionalidades que tinha, a sua linguagem de programação e o custo dos componentes, que era de 10000 dólares por máquina em 1973, a Alto está mais ou menos a par das estações de trabalho de topo usadas hoje. A infraestrutura associada e o preço que rondaria entre os 25 e os 30 mil dólares punha-a fora do alcance de um utilizador médio se tivesse sido lançada comercialmente.

A Alto era a sublimação de toda a pesquisa do PARC numa única máquina. Estas máquinas estavam ligadas em rede no PARC, bem como as impressoras a laser. Uma das consequências disto é que este hardware se tinha tornado rápido demais para a interligação entre cada posto de trabalho e impressora e a baixa velocidade da rede já estava a limitar a rapidez do trabalho. Por isso, a solução foi a invenção da Ethernet e assim inventar a primeira rede informática de alta velocidade.

Uma página para imprimir a 600 dpi podia agora ser enviada a 2,67 mbps em 12 segundos. Antes da Ethernet o tempo de espera chegava aos 15 minutos. Não estando contentes com o ganho de velocidade, os cientistas do PARC começaram a trabalhar para acelerar a velocidade até aos 10 mbps, muito acima do que se previam ser as necessidades de tráfego num futuro próximo.

Muitos dos produtos desenvolvidos nesta altura só chegaram a casa dos utilizadores muitos anos mais tarde e pior que isso, o benefício para a Xerox acabou por não ser muito grande, porque a direcção da empresa estava focada demais no negócio das fotocopiadoras e não faziam ideia do que aí vinha com a revolução digital. Enquanto que a Xerox construiu as Alto para utilização interna, tendose seguido a Xerox Star, que custava 16000 por máquina, a Tandy vendia 10000 TRS-80 por mês a 599 dólares cada. Até o PET da Commodore podia ser comprado por 1298 dólares.

O Atari 400.

No final de 1978, a Apple, Radio Shack e Commodore ia ter um novo concorrente com anúncio dos Atari 400 e 800. Embora os novos sistemas só começassem a ser vendidos em Outubro do ano seguinte, a Atari já tinha uma presença considerável no mercado do entretenimento doméstico com a popular consola Atari 2600.

O potencial para jogos do computador pessoal estava prestes a ser percebido, à medida que empresas como a Avalon Hill (responsável por jogos como Planet Miners, Nukewar e North Atlantic Convoy Raider) e a Automated Simulations (Starfleet Orion) preparam um conjunto de títulos para o novo mercado que iria crescer em paralelo com o das consolas e jogos de arcada no final dos anos 70. O Flight Simulator de Bruce Artwick tornou-se o primeiro exemplo de uma estratégia concertada para diferenciar os jogos de PC dos das consolas, quando a Microsoft o licenciou para demonstrar o IBM PC e o MS-DOS.

Imagem tirada do Flight Simulator original.

A indústria dos microprocessadores no geral e dos computadores pessoais em particular estavam a crescer de uma forma constante e, pode dizer-se, espectacular, no início dos anos 80. As sementes plantadas quase 20 anos antes estavam a dar fruto no princípio de uma nova década à medida que este sector chega a um ponto de viragem.

O foco principal das empresas fabricantes de semicondutores continuava a ser os circuitos de memória DRAM. Os microprocessadores eram geralmente vistos como mais um componente que podia ser vendido em pacote com outros componentes. A Intel, e mais tarde a Mostek, foram construídas com os lucros da venda de memórias. Mas tudo vai mudar quando os fabricantes japoneses, que ligavam muito pouco às patentes das empresas americanas, receberam incentivos fiscais, empréstimos bancários com taxas de juro baixas e serviram-se de políticas protecionistas de um governo que estava a tentar impedir que as empresas japonesas deste sector desaparecessem.

O crescimento da IBM no Japão resultou na criação por parte do governo local da Japan Electronic Computer Company (JECC) em 1961, que servia para comprar produtos electrónicos japoneses a preços mais altos de forma a manter a indústria a funcionar. No entanto, a JECC não era uma empresa no sentido estrito da palavra, era mais uma organização que juntava várias empresas japonesas de forma a minimizar a concorrência e maximizar as oportunidades de mercado.

O negócio do aluguer de mainframes IBM System/360 e 3703 causou mais problemas aos concorrentes japoneses em meados dos anos 60. As empresas locais não tinham a experiência, nem a infraestrutura para acompanhar a “Big Blue”, como era conhecida a IBM. Em resposta, o governo japonês reestruturou a indústria, incluindo a atribuição de mercados individuais a determinadas empresas ou grupos e ao mesmo tempo limitou as oportunidades de crescimento da empresa americana em solo japonês. As empresas japonesas também controlavam toda a cadeia de distribuição desde o fabrico às vendas no seu segmento de mercado para ajudar na eficiência e melhorar as oportunidades de chegar ao mercado mais depressa.

A procura por novos circuitos integrados, particularmente nos Estados Unidos, estava a crescer a 16% ao ano em meados dos anos 1970 e o governo japonês e as empresas locais viram nos circuitos integrados e particularmente nos chips de memória DRAM a oportunidade ideal de construírem a sua própria indústria. Assim, começaram a construir fábricas para a construção de circuitos integrados recorrendo a 1,6 mil milhões de dólares de subsídios governamentais, empréstimos com taxas de juro muito baixas e investimento privado. No entanto, estas mesmas empresas japonesas também precisavam de importar mais memórias DRAM dos Estados Unidos para usar nos seus próprios produtos de electrónica de consumo e empresariais enquanto as suas fábricas estavam a ser construídas.

Os fabricantes americanos aumentaram a capacidade de fabrico para dar resposta a esta nova procura só para ficarem grandemente sobredimensionadas assim que os chips da Hitachi, NEC, Fujitsu e Toshiba começaram a chegar ao mercado. O resultado foi uma queda de 90% no preço das memórias DRAM num único ano e em Março de 1982 um chip DRAM de 64K que custava 100 dólares em 1980, custava agora 5. O negócio americano das memórias estava destruído.

Na Intel, o foco principal foi desviado das memórias para os processadores à medida que os processadores de 8/16 bits 8086 e de 16 bits 8088 começaram a ser produzidos. O futuro era agora o microprocessador e o microcontrolador. Por acaso, a IBM também tinha notado o crescimento do sector dos computadores pessoais e mesmo não sendo rentável o suficiente para fazer com que a empresa se desviasse do seu negócio principal, era um mercado que estava pronto a ser explorado e queria dizer também a possibilidade de captar um novo tipo de cliente. Uma parceria estranha estava prestes a começar e seria um ponto de viragem para a computação pessoal.

Esta é segunda parte do especial sobre a história do PC. Pode ler a primeira parte aqui.

Sou director da PCGuia há alguns anos e gosto de tecnologia em todas as suas formas. Estou neste mundo muito por culpa da minha curiosidade quase insaciável e por ser um fã de ficção científica.
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