A indústria dos electrodomésticos atravessa uma crise silenciosa que afecta milhões de consumidores: a morte programada da reparação. Enquanto os fabricantes promovem a eficiência energética e a sustentabilidade nos seus discursos de marketing, as suas decisões de design revelam uma realidade bem diferente — uma estratégia deliberada para tornar os produtos irreparáveis.
Durante décadas, os electrodomésticos foram concebidos com um princípio fundamental: a modularidade. Componentes essenciais como rolamentos, vedantes e elementos estruturais eram acessíveis através de fixações desmontáveis — parafusos, grampos ou encaixes que permitiam a substituição de peças desgastadas por uma fracção do custo de um aparelho novo. Essa filosofia mudou radicalmente. Os fabricantes modernos optaram por soldar, colar e selar componentes que antes eram facilmente substituíveis. Esta não é uma evolução natural da tecnologia, mas uma escolha comercial calculada. Quando um rolamento de poucos euros se torna inacessível devido a um design selado, o consumidor é forçado a descartar um aparelho inteiro que poderia funcionar por mais décadas.
A matemática da obsolescência programada é brutal. Quando uma peça estrutural custa 70% do valor de um produto novo, a reparação torna-se economicamente inviável. Isto não é uma coincidência: é o resultado de decisões de engenharia intencionais que privilegiam o volume de vendas sobre a durabilidade. Os consumidores tornaram-se reféns desta estratégia. Aparelhos que poderiam funcionar durante vinte ou trinta anos são descartados após cinco a sete anos, não por falha tecnológica irreversível, mas por impossibilidade de acesso aos componentes que necessitam de manutenção regular.
A ironia é gritante: enquanto os fabricantes investem milhões em campanhas sobre eficiência energética, criam simultaneamente montanhas de lixo electrónico através do design irreparável. Cada aparelho selado que vai para aterro representa recursos desperdiçados — metais raros, plásticos, energia de produção e transporte.
Esta estratégia industrial destrói sistematicamente um sector económico inteiro. Oficinas de reparação locais, técnicos especializados e pequenos negócios são eliminados quando a reparação se torna impossível. A concentração da actividade económica regressa totalmente aos fabricantes, eliminando a concorrência no mercado de serviços pós-venda. A verdadeira sustentabilidade passa pela durabilidade, não apenas pela redução do consumo energético durante o uso. Um aparelho reparável que funcione durante vinte anos tem uma pegada ecológica infinitamente menor do que dois aparelhos “eficientes” substituídos a cada década.