A Internet é hoje rápida, aparentemente resiliente e universalmente acessível. Mas por trás dessa ilusão de descentralização e fluidez, reside um único ponto de falha que se tornou a espinha dorsal invisível da Web moderna: a Cloudflare. Fundada com a “nobre” missão de tornar os sites mais rápidos e seguros, controla uma fatia assustadora do tráfego global. Esta concentração de poder, embora conveniente, representa uma ameaça existencial aos princípios de liberdade e resiliência com que a internet foi originalmente concebida. Quando acedemos a um site, frequentemente não estamos a ligar-nos ao servidor original, mas sim a um da Cloudflare que nos serve uma cópia em milissegundos. Uma escolha activa dos proprietários dos sites por conveniência, segurança e desempenho. No entanto, o risco é proporcional à sua eficiência. A Cloudflare não é apenas o guarda-costas da Web, é também o seu GPS, gerindo um dos maiores serviços de DNS do mundo (1.1.1.1). O que lhe confere uma visibilidade e um poder sem precedentes.
A 18 de Novembro de 2025, um erro na alteração das permissões da sua base de dados criou um efeito dominó que expôs mais uma vez a fragilidade desta dependência. Durante esse breve período, grandes porções da internet ficaram inacessíveis, provando mais uma vez que a Cloudflare tem na sua mão o poder de desligar a Internet. A preocupação não é apenas técnica, mas profundamente ética. A empresa já provou que pode tomar decisões editoriais sobre o conteúdo que pode ou não existir online. O caso do site neonazi The Daily Stormer, em 2017, foi a prova flagrante de que a Cloudflare tem o poder de efectivamente remover websites da internet.
O problema desta concentração recai na natureza da própria Cloudflare. E se a liderança mudar? E se for adquirida por um conglomerado com valores diferentes? E se governos autoritários a pressionarem para cooperar com a censura e a vigilância? A Internet foi criada como uma rede descentralizada e resistente a falhas. Ao trocarmos essa resiliência pela conveniência, criámos um ponto aduaneiro. Hoje, a Cloudflare já oferece serviços de cloud computing, segurança de e-mail e streaming. A cada novo serviço, torna-se mais profundamente enraizada na infraestrutura global, tornando a concorrência mais difícil e a dependência ainda maior. Confiamos a segurança e a acessibilidade da nossa vida digital a uma única entidade privada. A Cloudflare tem sim um afável “cão” guia e guarda, mas a história ensina-nos que a concentração de poder invariavelmente leva a riscos imprevistos. É crucial que o debate regulatório e o desenvolvimento de novas arquitecturas de rede se foquem em reduzir esta perigosa dependência, antes que o gigante decida, ou seja forçado, a exercer todo o seu potencial de controlo.