Estive, durante umas horas, sentado no banco da frente de um super carro a explicar funções básicas de CarPlay a um proprietário que, não sendo propriamente info-excluído, também não é alguém que domine a tecnologia – é, portanto, um proprietário comum, se é que tal figura existe ou possa assim ser caracterizada. A dada altura, tendo transmitido o básico para os primeiros contactos com a operação do sistema, dei comigo a questionar-me se, genericamente, a indústria não está já numa fase de sobredosagem de funções que o cidadão comum dificilmente utilizará na vida útil dos seus produtos.
A tecnologia CarPlay é vendida como uma simplificação da experiência no automóvel. Mas pergunto-me se, na prática, os proprietários usam em média mais de 20% das funcionalidades. E não sou suspeito nesta matéria: como não tenho uma experiência real de uso diário desta tecnologia, mergulhei aqui somente apoiado na minha curva de aprendizagem de uma interface que não me é hostil. Essa curva de aprendizagem é, na verdade, muito maior que aquilo que a generalidade dos fabricantes admite.
É perceptível que pessoas de uma janela etária superior a sessenta anos ficam “perdidas” num automóvel “premium” (quem diz ‘automóvel’, diz qualquer ‘electrodoméstico’, “grávido” de tecnologia. Aliás, tenho a certeza de que muitas delas ficam, na verdade, intimidadas com tanta escolha, tanta configuração, tanto widget que não entendem e cuja utilização se perderá em poucas semanas. Se, para a maioria, um simples ‘Hey Siri’ já é ficção (quase) científica, o que dizer da integração de aplicações de terceiros que nunca consumirão um dado que seja?
Doeu-me particularmente ver a família usar, de forma continuada, o consumo a bordo do simples FM, por acharem mais fácil – e esse, sim, verdadeiramente intuitivo. Percebo que os fabricantes queiram acrescentar mais e mais às interfaces, mas é óbvio que esta “chuva” de características está mais ao gosto (e ao uso) de techies que de pessoas comuns.
Quando terminámos (e este ‘terminámos’ é uma mera metáfora, porque suspeito de que seja uma tarefa quase interminável), reclinei-me num banco que tem mais tecnologia que todo o hardware que tenho neste momento à minha frente e ocorreu-me que as interfaces deveriam, elas próprias, possuir três níveis de complexidade. Isto iria permitir ao “povo” uma imersão mais gradual, “escondendo-lhe” selectivamente características mais avançadas, para não intimidar tanto quem as vai, quase a medo, utilizar.
Depois, foi-me concedida uma “voltinha”. Sem CarPlay, porque há sons insubstituíveis.