Venda de pensamentos alheios

E assim começa a nova corrida ao ouro, onde a mineração dos registos colectivos da imagem social e quotidiana da humanidade alimenta máquinas cada vez mais capazes de mimetizar, de forma perfeita, a reacção e a percepção humana.

Por: André Gonçalves
Tempo de leitura: 3 min
Rawpixel/Freepik

São cada vez mais os utilizadores das redes sociais que partilham grande parte da suas opiniões, conhecimentos e pensamentos. Quem as utiliza, não paga para o fazer, pois a sua contribuição é monetizada tradicionalmente por estas empresas, com a associação de publicidade a estes conteúdos. Mas, agora, existe uma nova forma de rentabilizar estas redes: usar os conteúdos para treinar modelos de inteligência artificial.

Curiosamente, no caso do Reddit, não foram os responsáveis da rede social os primeiros a capitalizar assim os petabytes de dados produzidos pelos seus utilizadores. Isto porque, no Reddit, a extracção de toda a informação, de uma forma totalmente estratificada, estava acessível na sua API a qualquer utilizador disposto a fechar os olhos aos termos e condições de utilização. E, como neste momento, é praticamente impossível identificar quais as fontes usadas para treinar um modelo de inteligência artificial, estamos perante um verdadeiro crime perfeito.

Assim que se apercebeu disso, em Abril de 2023, o Reddit passou a cobrar pelo acesso à API, gratuita desde o seu lançamento, em 2008. Esta forma desajeitada de controlar uma “fuga de recursos” com uma solução de “tábua rasa” afectou também todos os programadores que, desde o seu início, ajudaram a substanciar e a manter o sucesso desta plataforma social. Isto levou a várias manifestações de revolta digital, a uma das maiores greves digitais da curta história da Internet – em alguns casos, o resultado foi o abandono permanente da plataforma, por parte de grandes moderadores e programadores.

Mais recentemente, em Fevereiro de 2024, pouco antes da sua avaliação para entrada em bolsa, o Reddit anunciou um acordo com uma empresa de inteligência artificial (não identificada) que lhe vai render sessenta milhões de dólares por ano, pela cedência dos conteúdos produzidos pelos seus utilizadores para treinar modelos de inteligência artificial.

E assim começa a nova corrida ao ouro, onde a mineração dos registos colectivos da imagem social e quotidiana da humanidade alimenta máquinas cada vez mais capazes de mimetizar, de forma perfeita, a reacção e a percepção humana. Na inevitável idolatria destas inteligências artificiais, que identificam de forma assertiva as aspirações e receios de cada utilizador, são cada vez mais as empresas reconhecerem o valor destes registos que, nas redes sociais, retratam de uma forma actual e detalhada cada detalhe da consciência humana colectiva.

 

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Se não pensares nisso, alguém vai fazer-lo por ti.
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