A sonhar com ladrões (II)

Por: Pedro Aniceto
Tempo de leitura: 2 min
Joe Gadd/Unsplash

Na crónica passada, falei-vos sobre as implicações do “saber demasiado”, quando passamos a utilizar sistemas de vigilância e localização, e prometi alongar-me numa continuação anunciada. Pois bem, se hoje os ditos sistemas são banais e corriqueiros no uso que lhes damos, não me posso esquecer de uma frase que ouvi, há anos, de um investigador criminal, a propósito de CCTV: «Na maioria das vezes, com vigilância apertada, sabemos mais que o queremos e não conseguirás deixar de pensar nas consequências».

Segui durante uma exacta semana as movimentações do alegado autor de um furto. Conheci rotinas, horários, paradeiros e até membros da família ao visitar alguns desses locais. Eu, que nas primeiras horas fui a vítima desejosa de vingança e de recuperar o que me havia sido furtado, pude preparar cuidada e anonimamente essa recuperação. E, aos poucos, fui conhecendo a inserção social do alegado autor, as suas dificuldades e condições de vida. Estou a falar do uso de um AirTag, mas cujos sinais de localização me permitiram saber mais que aquilo que queria. Ao quarto dia, eu era completamente refém (Estocolmo, estás aí?) do meu alegado criminoso. A inserção nos seus hábitos e rotinas já me causava apreensão. «Mas isto são horas de chegar a casa?», pensei eu, em dados momentos, quando comecei a lembrar-me da tal frase que escutei há muitos anos. Sim, a dado momento aquilo que me invadia era compaixão. Entrecortada por acessos de realidade em que pensava: «Agora passava-te o carro por cima e isto terminava aqui…».

Se a pessoa tem este tipo de modificação de comportamento enquanto vítima, só pela gestão de localização, que tipo de comportamento terá com vigilância mais vívida? Quando as imagens revelam, por exemplo, algo de que não querias saber de alguém, que hipoteticamente nos seja próximo. Socialmente, é um exercício curioso, para quem experimenta controlar o seu saber, legal ou ilegal. Mas o homem tinha razão, e a ignorância pode efectivamente ser uma bênção…

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