Ajudando o inimigo

Por: André Gonçalves
Tempo de leitura: 3 min
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Enquanto, juntos, procuramos uma vacina ou uma imunidade de grupo eficaz contra uma pandemia viral, um conjunto alargado de bactérias continua a criar imunidade contra os antibióticos que usamos para as combater. Estas, já intituladas de superbactérias, estão a conseguir derrotar todos os nossos antibióticos, não através do seu intelecto superior, mas simplesmente pela sua evolução natural posta em prática.

A descoberta acidental, em 1928, da penicilina foi marcante para a medicina. Fleming, apesar de não perceber o seu funcionamento, conseguiu salvar milhares de vidas. A nossa evolução tecnológica permitiu, entretanto, perceber e criar versões mais potentes da penicilina e até antibióticos de espectro alargado capazes de matar diversos tipos de bactérias. Mas, basicamente, o uso da capacidade de alguns fungos projectarem químicos que matam bactérias tem sido o princípio único de combate a este tipo de infeções nos últimos cem anos.

Surpreendentemente, um dos aliados mais improváveis que as bactérias têm são os próprios humanos, através do uso desastroso que fazem dos antibióticos ao seu dispor. Alguns médicos e farmacêuticos ainda receitam antibióticos a pacientes que não precisam deles ou sem uma correcta identificação dos genes de resistência. Muitos pacientes também deixam de tomar os antibióticos a partir do momento em que se começam a sentir bem, não levando a prescrição até ao final e permitindo que algumas bactérias sobrevivam e criem resiliência. E até mesmo o uso de antibióticos (com objectivo preventivo e em dosagem desadequada) em animais destinados a alimentação humana, permite ainda mais oportunidades de exposição inadequada das bactérias aos nossos antibióticos.

Basicamente, estamos a vacinar as bactérias contra as armas que descobrimos para as combater. E a velocidade a que estamos a conseguir encontrar novos antibióticos é significativamente menor que o volume de utilização que estamos a fazer dos mesmos, especialmente em ambientes hospitalares, onde muitas destas bactérias oportunistas encontram sistemas imunitários fragilizados onde proliferam com maior facilidade. Mas estas estirpes de bactérias mais resistentes conseguem comprometer até mesmo um sistema imunológico jovem e saudável.

A forma de evitar a próxima crise sanitária à escala global pode simplesmente passar pela rotação de antibióticos ao longo dos anos, proibindo globalmente o uso de alguns por um período alargado, para debilitar as resistências desenvolvidas pelas bactérias. Mas para esta estratégia resultar, teremos de trabalhar em uníssono e à escala global, algo simples de fazer para um micro-organismo, mas extremamente complexo para os seres humanos.

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Se não pensares nisso, alguém vai fazer-lo por ti.
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