Fez investigação a nível da robótica e do autismo, mas quis também experimentar o universo industrial. Entrou na Bosch, em Braga, como software developer e rapidamente passou a liderar dois projectos ligados à condução autónoma.
Em que consiste o seu trabalho na Bosch?
Estou na unidade de Chassis Control, onde desenvolvemos sensores para serem integrados em algoritmos de condução autónoma. Estou essencialmente ligada a dois projectos. O primeiro é o VMPS, Vehicle Motion Position Sensor, um sensor que fornece a posição absoluta do carro no mundo com uma elevada precisão. O GPS que usamos no carro, por exemplo, tem um erro na ordem dos metros. O VMPS procura reduzir a margem de erro para que possa ser usado nesse tipo de aplicação. O outro sensor destina-se à detecção do meio envolvente do carro.
A condução autónoma irá representar uma enorme mudança na mobilidade das pessoas. Como é integrar um projecto pioneiro como este?
Este é um projecto internacional muito diverso. As equipas não estão só em Braga. Trabalhamos numa estreita relação com colegas da Alemanha e da Índia. O facto de saber que estamos a contribuir com algo que realmente vai mudar o mundo no futuro, como o telemóvel mudou, faz-me sentir muito entusiasmada. Queremos sempre pôr a tecnologia ao serviço do ser humano e fazer com que esses passos que estamos a dar façam sentido e garantam a segurança das pessoas. Isso é o mais importante em qualquer projecto da Bosch.
O seu mestrado e doutoramento foram ligados à robótica e ao autismo. O que a levou a escolher estas áreas?
A minha orientadora apresentou-me um projecto que achei muito interessante. Implicava a utilização de um robô modelar a baixo custo para testar com alguns jovens com autismo e verificar qual era a sua reacção, e como devíamos usar esta ferramenta para ajudar na intervenção com estas crianças e jovens.
Correu tão bem que decidimos dar um passo adiante e elevar a fasquia. Adquirimos um robô humanoide com a possibilidade de simular ou mostrar expressões faciais, e trabalhámos com crianças de alto funcionamento de autismo para não só promover a interacção social mas também o reconhecimento de emoções que é uma das capacidades que eles têm em falta.
Conseguimos fazer uma análise comparativa de grupo e verificar que o robô efectivamente pode ser uma ferramenta útil neste tipo de intervenção. Capta a atenção das crianças, elas focam-se e conseguem adquirir a competência mais rapidamente.
Como foi a passagem daí para a Bosch?
Ao terminar o doutoramento, candidatei-me a algumas vagas e tive duas hipóteses: integrar o laboratório de investigação do IST, em Lisboa, seguindo mais ou menos a linha de trabalho que tinha vindo a fazer, ou aceitar uma proposta da Bosch em Braga, cidade onde moro, para integrar a sua primeira equipa de software. Achei que se não mudasse para a indústria naquela altura, provavelmente seria difícil deixar a academia no futuro. Decidi arriscar. Valeu a pena.
O que a levou a ser uma das co-fundadoras do Women in Engeneering em Portugal?
Este grupo surgiu em 2010 numa iniciativa conjunta com as professoras Filomena Soares e Celina Pinto Leitão, e a aluna Inês Martins. Como mulheres do curso de Electrónica sabíamos que todos os anos entravam sessenta ou setenta alunos e contavam-se pelas mãos o número de raparigas.
Ao olhar para o lado, vimos que havia o mesmo problema em muitas engenharias. Isso tem um impacto no mercado de trabalho e também no desenvolvimento de novos produtos, que acabam por ter um ponto de vista enviesado, mais masculino, o que, se calhar, não faz mal em alguns produtos, mas em outros pode ter algum impacto. Se escalarmos isso a um nível global tem um impacto com certeza absoluto.
Estamos ligadas ao IEEE, a maior associação profissional de engenheiros do mundo, que também têm interesse em impulsionar a presença feminina na engenharia. Têm o grupo IEEE Women in Engeneering, e decidimos criar o capítulo português.
E o que fizeram desde então?
Incentivámos que em cada universidade fosse criado um grupo estudantil para que as ideias começassem a ser disseminadas localmente. Fizemos algumas estatísticas, organizámos eventos em que convidávamos engenheiras para servirem como role models para as mais jovens. Ao longo dos anos fomos fazendo várias iniciativas, sempre com a preocupação de também dar a oportunidade às universitárias de tomarem iniciativas, aceitarem desafios e mostrarem elas próprias que são líderes e dando o exemplo.
Qual o saldo destes nove anos?
O resultado tem sido positivo, com certeza. Mas uma cultura não se muda em apenas alguns anos. Verificamos que a pouco e pouco mais raparigas se vão candidatando aos cursos tidos, na cultura portuguesa, como tipicamente masculinos: engenharia mecânica, civil, electrónica, informática. Já vai mudando um pouco.
Ainda há uma grande diferença e um longo caminho a percorrer. E também vimos que esta mudança não deve ser feita apenas nas universidades. Tem de ser um pouco antes, na escola, na igualdade de acesso a oportunidades por que as carreiras nesta área têm imensa potencialidade em termos de crescimento e a nível do factor económico.