Quase três décadas após a data de atribuição da patente nos EUA, o MP3 já não é a vanguarda da compressão de áudio. No entanto, a compatibilidade com este formato permanece omnipresente em leitores multimédia, browsers, sistemas automóveis e dispositivos integrados. Para muitas pessoas, também evoca um momento particular na cultura da Internet, quando ‘ripar’, catalogar e partilhar ficheiros pareciam rituais digitais fundamentais, em vez de processos de fundo geridos por serviços na nuvem.
A patente número 5.579.430 não se lê como um manifesto para um novo negócio musical, mas a concessão ao Instituto Fraunhofer da Alemanha, a 26 de Novembro de 1996, marcou um ponto de viragem claro na forma como o som digital é armazenado, movido e vendido.
O “processo de codificação digital” da patente – mais conhecido como MPEG Audio Layer III, ou simplesmente MP3 – transformou décadas de investigação psicoacústica num codec prático. Tornou os ficheiros de música de alta-fidelidade suficientemente pequenos para poderem ser transmitidos em 7 ou 8 minutos através dos modems ligados a linhas analógicas à velocidade estonteante de 56 kbits por segundo (cerca de 17.000 vezes mais lento que uma ligação actual de 1 gbps), para caberem nos primeiros discos rígidos e, eventualmente, para serem levados para todo o lado em leitores de bolso e telemóveis.
No entanto, a história do MP3 começa muito antes da obtenção da patente nos EUA. As suas origens remontam a laboratórios europeus no final das décadas de 1970 e 1980, onde equipas de investigação lideradas por Dieter Seitzer e Karlheinz Brandenburg exploraram quanto de um sinal de música o ouvido humano realmente necessita.
O grupo de Seitzer trabalhou na transmissão de música através de linhas telefónicas comuns, enquanto Brandenburg – frequentemente descrito como o “pai do MP3” – focou-se na aplicação de modelos psicoacústicos (descrições formais de como os ouvidos e o cérebro mascaram e filtram o som) a esquemas de codificação digital.
O problema técnico era simples de enunciar e complexo de resolver: reduzir agressivamente a bit rate (taxa de bits) mantendo a qualidade percepcionada próxima da do áudio de disco compacto (CD) amostrado a 44,1 kHz e 16 bits por canal.
O design final do Layer III, utilizado nos padrões de áudio MPEG-1 e, posteriormente, MPEG-2, baseava-se num sistema de filtro híbrido que misturava um filtro polifásico com uma transformada discreta de co-seno modificada. Também utilizava um modelo psicoacústico para estimar que partes do som o ouvido não notaria, permitindo ao codificador comprimir esses componentes de forma mais agressiva – ou descartá-los inteiramente – sem alterar o que as pessoas ouviam. A patente dos Estados Unidos 5.579.430, intitulada “Digital encoding process”, ou processo de codificação digital, descreve uma cadeia de transmissão ou armazenamento de sinais acústicos, especialmente música, que reflecte esta arquitectura.
O impacto do MP3 adveio em grande parte das taxas de compressão que tornou possíveis. As codificações típicas reduziam o tamanho do ficheiro de 75 a 95%. A 128 kbps, uma canção de três minutos encolhia de dezenas de megabytes para cerca de 3 MB, uma diferença que importava quando o armazenamento era comercializado em megabytes e o acesso inicial à internet era cobrado ao minuto.
Os programadores adicionaram rapidamente suporte para ficheiros MP3 ao software para PC para extracção e codificação a partir de CD e para a reprodução dos ficheiros. As primeiras aplicações de reprodução de MP3 para Windows, como o Winamp, tornaram-se também formas rudimentares para gerir bibliotecas locais de ficheiros de áudio comprimidos, enquanto as bibliotecas de codificadores e ferramentas de linha de comandos simplificavam a automação da conversão de CD para MP3, a qualquer taxa de bits que os utilizadores preferissem.
Assim que os codificadores de software se generalizaram, converter de CD para MP3 e partilhá-los através de servidores FTP, servidores privados e, eventualmente, redes ponto a ponto tornou-se uma coisa trivial – frequentemente sem qualquer permissão dos detentores dos direitos. A estreia do Napster em 1999 construiu um método de indexação dedicado e um sistema de partilha em torno de ficheiros MP3, transformando as colecções pessoais dos consumidores num enorme catálogo distribuído, acessível através de ligações de Internet doméstica cada vez mais rápidas.
Os fabricantes de hardware também entraram em cena, utilizando discos rígidos em miniatura e, mais tarde, as primeiras versões dos sistemas de armazenamento em memória flash para criar leitores de MP3 portáteis. Dispositivos como o MPMAN da Saehan na Coreia e o Rio 100 da Diamond Multimedia armazenavam áudio comprimido em memória flash e ofereciam interfaces simples para navegar nas listas de faixas.
Um dos primeiros leitores de ficheiros MP3 portátil com um disco rígido foi o Nomad da Creative Labs que podia ser ligado a um PC com Windows através de uma cabo USB e usava software específico.
A entrada da Apple no início dos anos 2000 integrou o MP3 e codecs compatíveis num ecossistema totalmente unificado. O iTunes, lançado em Janeiro de 2001, tratava da extracção, gestão da biblioteca e sincronização de dispositivos. O primeiro iPod, lançado mais tarde nesse ano, emparelhou um pequeno disco rígido com uma interface de roda de navegação e suporte para MP3 e formatos relacionados.
A iTunes Music Store, que abriu em 2003 com centenas de milhares de faixas a 99 cêntimos graças a acordos com as grandes editoras, provou que os ficheiros digitais comprimidos podiam ser vendidos em escala através de uma loja controlada, em vez de serem trocados informalmente através de redes abertas.
Com o tempo, o MP3 tornou-se tanto um formato legado como um requisito padrão. Hoje, o consumo de música mainstream gira em torno de serviços de streaming que fornecem áudio com taxas de bits adaptáveis através de redes de banda larga, 4G e 5G. Mas essas plataformas ainda dependem de descendentes das mesmas ideias centrais que impulsionaram a revolução do MP3.