Entre 2021 e 2024, a Google usou os sensores de movimento em mais de dois mil milhões de telefones Android em todo o mundo para criar uma rede capaz de detectar sismos e enviar avisos automáticos a milhões de pessoas em 98 países. Os resultados deste projecto revelam uma tecnologia que desafia a sismologia tradicional e tem o potencial de melhorar a segurança pública à escala mundial.
Ao contrário dos sistemas convencionais que empregam dispendiosos instrumentos sísmicos dedicados, o sistema de Alertas de Terramoto incluído no sistema operativo Android da Google aproveita o vasto número de smartphones em funcionamento, que recolhem continuamente dados de movimento, a menos que os utilizadores optem por não o fazer. Ao analisar as informações destes aparelhos, a tecnologia não só identificou as origens e a intensidade de mais de 11.000 sismos, como o fez com uma precisão que rivaliza com a dos sismógrafos especializados.
O resultado do estudo da Google, publicado na revista Science, assinala a primeira análise exaustiva do desempenho do sistema desde o seu lançamento há três anos. Durante esse período, o número de pessoas a receber avisos de sismo decuplicou, cumprindo a promessa da empresa de alertar muitas populações que não tinham acesso a estes avisos.
A vantagem do sistema de alerta não reside na precisão de um único aparelho, mas sim na escala a que a detecção é realizada. Algoritmos desenvolvidos pela Google conjugam sinais de telefones dispersos por vastas regiões, lidando com diferenças locais na geologia, materiais de construção e as variadas formas como os vários modelos de telefones registam o movimento. Este método permite ao sistema detectar mesmo os tremores de terra mais ténues, reconhecendo padrões de agitação colectiva.
Contudo, subsistem limitações, especialmente no que concerne aos sismos mais potentes do mundo. Em Fevereiro de 2023, dois sismos devastadores na Turquia sublinharam alguns destes desafios. O sistema subestimou inicialmente a severidade destes eventos, enviando 4,5 milhões de alertas que, em retrospectiva, deveriam ter sido ainda mais urgentes. Ao rever o incidente com algoritmos melhorados, a equipa da Google verificou que uma análise melhorada teria desencadeado alertas em até mais dez milhões de aparelhos.
“Isto demonstra que têm vindo a trabalhar para melhorar o sistema desde 2023, com resultados positivos tangíveis”, afirmou Harold Tobin, sismólogo da Universidade de Washington, à Nature. “Para um sistema de segurança pública como este, a equipa Android tem a responsabilidade de ser muito transparente sobre como funciona, para que as autoridades civis possam tomar essas decisões por si mesmas.”
A transparência tornou-se um ponto fulcral do debate científico em torno do sistema. Embora a Google alegue ser aberta sobre o funcionamento da sua tecnologia, a natureza proprietária dos seus algoritmos e as preocupações com a privacidade ligadas aos dados dos utilizadores permanecem barreiras a um escrutínio mais amplo.
“É muito impressionante — a maioria dos países não tem um sistema de alerta precoce de sismos, e isto pode ajudar a fornecer esse serviço”, disse Allen Husker, sismólogo do Instituto de Tecnologia da Califórnia.
Acrescentou que o acesso científico independente aos dados e algoritmos do sistema ajudaria a construir confiança na sua fiabilidade. A Google descreve o seu alerta de sismo como uma medida de segurança suplementar, não um substituto para os sistemas oficiais geridos por governos ou agências científicas.
“Essa é realmente a origem deste artigo”, disse Richard Allen, sismólogo da Universidade da Califórnia, Berkeley, e membro do corpo docente da Google. “Espero que a comunidade o reconheça e aprecie.”