Numa conversa telefónica privada, falei de renovações de casas em França. Acho que foi a única vez na vida que discuti este assunto tão específico. Minutos depois, o YouTube (na TV) sugeriu-me um vídeo literalmente chamado ‘Como renovei a minha casa em França’. Afinal, há sempre alguém que nos ouve.
Eu já sabia que os dispositivos estão à escuta. Escrevi sobre isso antes e a PCGuia fez um guia a explicar como controlar os ouvidos digitais. A nossa privacidade desapareceu em menos de duas décadas, e achamos isso perfeitamente normal. Para quê preocuparmo-nos com isto, se podemos ver as fotos de CR7 nas Arábias e das férias da vizinha do lado, sempre que quisermos?
A optimização para motores de busca está a atravessar outra revolução com as IA. Antes, a resposta à nossa pesquisa estava num dos links de resultados; agora, é imediatamente resumida pela IA. Se o negócio da Google sempre foi a pesquisa no seu motor de busca e os anúncios associados, como é que esta mudança pode ser sustentável?
É fácil: tornamos os motores de busca desnecessários e saltamos essa etapa. Como já ouvem os utilizadores, que tal usar a nova tecnologia e criar anúncios e conteúdos que respondem aos problemas, ainda antes de pensar em procurar uma solução?
Queixaram-se de que tinham os pés gelados? Tomem um anúncio para meias, feito com IA, que fala directamente convosco: «Alexandre, não durmas com frio», diz uma moça insinuante (ou moço, porque também sabem o vosso género/orientação sexual). Isto também pode ser feito com a imagem e a voz da vossa mãe (que pode já ter falecido, a mesma voz que vos dizia para levar um casaquinho quando saíam, porque estava frio) a segurar um par de meias – entregues até ao fim do dia, se encomendarem já! Se acham os anúncios da Temu uma seca, nem imaginam estes.
Esta mudança não afecta apenas o que vemos, mas também como agimos. Sabermo-nos observados (e sem saber por quem) condiciona o nosso comportamento. A prisão panóptica de Bentham é real, digital e omnipresente.