Pediram-me há relativamente pouco tempo que descrevesse os grandes grupos de utilizadores Apple. Alguém achou (e justificadamente) que eu teria autoridade suficiente na matéria para fazer tal classificação. Pelo menos, foi isso que achei até me confidenciarem que se tratava de um estudo na área da Saúde Mental e aí redobrou-se a justificação.
Apesar de nós, os profissionais de informática, não andarmos por aí a etiquetar utilizadores, a prática mostra que, perante um sistema operativo, existem pelo menos três formas de abordagem: o grande grupo, que se atemoriza perante o desconhecido, que tem receio de que a combinação das suas ações frente a uma máquina possa provocar um cataclismo mundial de grande magnitude e que leve, quem sabe, à extinção da vida no planeta tal como a conhecemos; um outro terço que é mais confiante, que “lê sem ler” as mensagens afixadas e que experimenta sem receio todas as operações e que munidos de algo que está vagamente situado na fronteira entre a inconsciência e e a coragem, vão heroicamente onde nenhum homem conseguiu ir ainda, sendo que a maior dificuldade é fazê-los regressar sãos e salvos; o terceiro grande grupo surgiu há uns anos com o nascimento do iOS. Esse não está inibido por apitos, besouros ou triângulos amarelos e esgravata furiosamente as entranhas do sistema até chegar à última sala passível de ser visitada no edifício. Lá chegados, procuram uma saída e não a encontrando com facilidade, recorrem a épica e previsível frase «Eu não fiz nada!», isto antes de pedir ajuda para sair da encrenca em que se meteram, ajuda que agradecem com um sorriso traquina, mesmo que o utilizador tenha oitenta ou mais anos de idade. Devo confessar que tenho grande estima por esta franja de utilizadores. São ousados, não se deixam condicionar por erros ou avisos de qualquer espécie e são autênticos cinturões negros na especialidade ‘tentativa/erro’.
Se houvesse um campeonato do mundo de ousadia informática, não tenho qualquer dúvida de que ele emergiria de uma destas faixas etárias. Porque, mesmo por vezes com resultados trágicos, não têm os traumas do utilizador médio que a cada passo tem medo que a máquina que manuseia vá arder. Despedi-me há pouco tempo de um desses utilizadores. Que com um sorriso no rosto me estendia equipamentos e me dizia «Não sei bem o que é que fiz aqui, mas tu deves saber…»
À memória de José Carlos Besteiro