Breve história do microprocessador e do computador pessoal parte 1: o primeiro processador comercial

Por: Pedro Tróia
Tempo de leitura: 38 min

O mercado dos computadores pessoais, tal como o conhecemos, aconteceu devido a uma mistura de entusiastas, empresários e coincidências. Antes de existirem PC, o negócio dos mainframes e dos minicomputadores girava à volta de um único fabricante que fornecia todo um ecossistema – desde construir o hardware, instalá-lo nos clientes, fazer a manutenção, desenho de software até ao treino das pessoas que o iam usar no dia-a-dia.

Esta forma de funcionar era a ideal num mundo em que havia pouca necessidade de computadores. Tornava os sistemas muito caros, mas também era um negócio muito lucrativo para as empresas envolvidas, porque o modelo de negócio garantia-lhes uma fonte de rendimento estável ao longo de muito tempo. As empresas que vendiam os sistemas mais “pesados” não foram as que criaram o mercado dos computadores pessoais por causa dos custos, falta de software genérico, a precepção de que os indivíduos não precisavam de computadores em casa e das grandes margens de lucro que vinham do negócio dos mainframes e dos minicomputadores.

Foi neste contexto que os computadores pessoais começaram a aparecer, com entusiastas à procura de coisas mais criativas para fazerem, que não conseguiam obter nos seus empregos, em que operavam computadores gigantescos onde faziam sempre a mesma coisa, dia após dia. A invenção do microprocessador, DRAM e EPROM iria fazer com que a linguagem de programação BASIC (e variantes) se tornasse popular, o que levou ao aparecimento das interfaces gráficas e trazer os computadores para o mainstream. Foram todos estes factores que tornaram possível que a informática se tornasse suficientemente fácil para utilização pessoal.

Nesta série de artigos vamos dar uma volta pela história do microprocessador e do computador pessoal, desde a invenção do transístor até aos circuitos integrados de hoje, que dão vida aos dispositivos que usamos todos os dias.

1947 – 1974

O primeiro microprocessador disponível comercialmente: o Intel 4004

No início dos computadores pessoais, os utilizadores tinham de ter competências na montagem de componentes eléctricos (principalmente saber soldar) e programação ao nível do hardware, porque, naquela altura, o software era todo feito à medida.

As principais empresas tecnológicas já estabelecidas não levavam a computação pessoal a sério devido às limitações das funcionalidades do hardware e software, uma falta de padrões que definissem claramente essas funcionalidades e a existência de poucas aplicações. Os próprios engenheiros da Intel fizeram pressão para que a empresa criasse uma estratégia para a computação pessoal, quase desde o momento em que o 8080 começou a ser implementado em mais produtos do que se esperava inicialmente. Steve Wozniak faria o mesmo pedido à empresa onde trabalhava, a Hewlett-Packard.

Apesar dos entusiastas terem iniciado o fenómeno da computação pessoal, a situação nesta altura era essencialmente a continuação do trabalho iniciado por Michael Faraday, Julius Lilienfeld, Boris Davydov, Russell Ohl, Karl Lark-Horovitz, até William Shockley, Walter Brattain, John Bardeen, Robert Gibney, e Gerald Pearson, que desenvolveram o primeiro transístor nos Laboratórios Bell em 1947.

Réplica do primeiro transistor desenvolvido nos Laboratórios Bell. Crédito: Wikipedia

Os Laboratórios Bell continuaram a ser um dos principais responsáveis pelos avanços na tecnologia de transístores, como por exemplo o transístor MOSFET, ou Metal Oxide Semiconductor, em 1959. No entanto, a Bell licenciou estas tecnologias em 1952 a outras empresas para evitar sanções relacionadas com leis antimonopolistas, que podiam ser impostas pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Assim, aos Bell Labs e à empresa que os controlava, a Western Electric, juntaram-se outras quarenta empresas, incluindo a General Electric, RCA e a Texas Instruments, no negócio dos semicondutores que estava a surgir.

William Sockley deixou os Laboratórios Bell em 1956 para constituir a sua empresa, a Shockley Semi-Conductor.

Os “Oito Traidores” que saíram da Shockley para criar a Fairchild Semiconductor. Da esquerda para a direita: Gordon Moore, Sheldon Roberts, Eugene Kleiner, Robert Noyce, Victor Grinich, Julius Blank, Jean Hoerni e Jay Last.

Apesar de ser um excelente engenheiro, a personalidade difícil de Shockley, combinada com a sua inabilidade na gestão de recursos humanos, fez com que a empresa não durasse muito. Em menos de um ano de ter reunido a sua equipa de pesquisa e desenvolvimento, conseguiu alienar membros suficientes para causar uma saída em massa. As pessoas que saíram ficaram conhecidos pelos ‘Oito Traidores’ e incluíam dois dos fundadores da Intel: Robert Noyce e Gordon Moore, Jean Hoerni, o inventor do método de fabrico planar para os transístores e Jay Last. Os membros dos ‘Oito Traidores’ foram o núcleo da divisão Fairchild Semiconductor da Fairchild Camera and Instrument, a empresa, que desde essa altura, se transformou no modelo para todas as startups de Silicon Valley.

A gestão da Fairchild começou a marginalizar cada vez mais a nova divisão por causa do foco principal ser o lucro que lhe traziam os contratos para o fabrico de transístores, como os dos componentes para os sistemas de voo do bombardeiro estratégico North American XB-70 Valkyrie, vendidos pela IBM, os do computador de voo Autonetics, usado no míssil intercontinental Minuteman, os para o supercomputador CDC 6000 e os do computador de navegação para as naves espaciais Apollo da NASA.

Apesar de tudo isto, o lucro caiu, à medida que a Texas Instruments, National Semiconductor e a Motorola foram também ganhando alguns contratos de fornecimento importantes. Nos finais de 1967, a Fairchild Semiconductor era uma sombra do que já tinha sido, com inúmeros cortes e a saída de pessoal chave. O investimento em pesquisa e desenvolvimento não se estava a traduzir em produtos comerciais e as tensões entre as facções de se formaram no conselho de administração prejudicaram bastante a empresa.

Intel

Uma das mais importantes saídas da Fairchild foi a de Charles Sporck, que já tinha revitalizado a National Semiconductor, bem como as de Gordon Moore e Robert Noyce. Apesar de mais de 50 empresas poderem dizer que surgiram por causa desta saída em massa de pessoas da Fairchild, nenhuma foi tão importante como a Intel. Uma chamada telefónica feita por Noyce ao investidor Arthur Rock, resultou num financiamento de 2,3 milhões de dólares, obtido numa tarde.

Gordon Moore (a segurar a pá), Robert Noyce (à direita), mais duas pessoas não identificadas, na cerimónia que marcou o início da construção da sede da Intel em Santa Clara, Califórnia, a 21 de Abril de 1970. Crédito: Intel

A facilidade com que a Intel foi criada deveu-se em grande parte ao estatuto que Robert Noyce e Gordon Moore tinham na altura. A invenção do circuito integrado fora atribuída a Noyce e a Jack Kilby da Texas Instruments, apesar de, quase de certeza, que grande parte do trabalho se baseou, por um lado, no que tinha já sido feito pela equipa de James Nall e Jay Lathrop no Diamond Ordnance Fuze Laboratory (DOFL) do exército dos Estados Unidos. Onde foi construído o primeiro transístor através de litografia e interligações em alumínio evaporado em 1957-59. Este trabalho foi integrado com o que a equipa de Robert Noyce já tinha feito na Fairchild.

Uma das coisas que Moore e Noyce trouxeram da Fairchild foi a nova tecnologia de portas (gates) auto-alinhadas de silício MOS (Metal Oxide Semiconductor) ideal para construir circuitos integrados, que tinha sido inventada pouco tempo antes por Federico Faggin, um elemento que estava emprestado à empresa por conta de uma parceria entre a SGS de Itália e a Fairchild. Esta nova tecnologia baseada no trabalho desenvolvido pela equipa de John Sarace no Laboratórios Bell, foi levada por Faggin para a Intel depois de ter obtido a cidadania americana.

Foto de grupo com os primeiros 106 empregados da Intel, incluindo os fundadores Robert Noyce e Gordon Moore e o primeiro empregado da empresa, Andy Grove. As operações da Intel começaram em 1969 com 106 empregados. Crédito: Intel

A Fairchild tinha razões para se sentir desconfortável com esta fuga de cérebros e pelo facto de muitas das suas descobertas irem parar às mãos de concorrentes. No entanto, estas saídas não ocorreram só na Fairchild, porque o seu primeiro microprocessador, o F8, foi certamente baseado no projecto C3PF da Olimpia Werke para fabricar um processador, mas que nunca foi terminado.

Numa altura em que as patentes ainda não tinham a importância estratégica que viriam a assumir hoje, o tempo de lançamento dos produtos era muito importante e a Fairchild era muitas vezes lenta em perceber a importância das suas descobertas. A divisão de pesquisa e desenvolvimento ficou menos orientada para o produto e gastava cada vez mais tempo em projectos de pesquisa.

A Texas Instruments, a segunda maior fabricante de circuitos integrados da altura, conseguiu erodir rapidamente a posição de líder de mercado da Fairchild. Embora a Fairchild ainda ter uma posição proeminente no mercado, a estrutura de gestão da empresa era caótica. O controlo de qualidade de produção era fraco pelos padrões da indústria e o aproveitamento de apenas 20% dos circuitos fabricados eram comuns.

AMD

À medida que mais pessoas saiam da Fairchild para ambientes mais estáveis, Jerry Sanders saiu da divisão aeroespacial de empresa e assumiu o papel de director de marketing e criou o plano ‘Fifty Two’ (Plano 52), em que seria lançado um novo produto todas as semanas. Esta pressa de chegar ao marcado teve como consequência que muitos destes produtos tivessem taxas de aproveitamento de apenas 1%. Estima-se que 90% dos produtos foram disponibilizados mais tarde do que o que tinha sido anunciado, tinham defeitos de design ou ambos.

Se o estatuto de Moore e Noyce deu um empurrão inicial à Intel, o terceiro homem a juntar-se à equipa, transformou-se na sua face pública e na sua força. Andrew Grove, nascido András Gróf na Hungria em 1936, foi o primeiro director de operações da Intel, apesar de ter pouca experiência em gestão de métodos de fabrico. Inicialmente esta escolha pareceu algo estranha, mesmo tendo em conta a amizade que ligava Grove a Moore, porque Grove era um cientista especializado em pesquisa e desenvolvimento, com experiência em química na Fairchild e dava conferências na Universidade de Berkeley. Não tinha qualquer experiência em gestão de empresas.

O quarto membro da equipa de gestão iria definir a estratégia de marketing inicial. Bob Graham era tecnicamente o terceiro empregado da Intel, mas como foi obrigado a dar três meses de trabalho ao seu antigo patrão para poder sair da empresa, ficou o número 4. Este atraso permitiu a Andy Grove ganhar uma importância maior nos processos de gestão do que tinha sido pensado inicialmente.

Por ser um excelente vendedor, Graham foi visto como sendo um dos dois candidatos com melhor perfil para a equipa de gestão da Intel. O outro, W. Jerry Sanders III era amigo de Robert Noyce. Sanders foi um dos poucos executivos da Fairchild a manter-se no cargo, depois de Lester Hogan se ter tornado CEO da empresa, depois de sair da Motorola.

A confiança inicial de Sanders em manter-se director de marketing da Fairchild desapareceu rapidamente porque o CEO, Lester Hogan, não se deixou impressionar com a sua excentricidade e falta de vontade da sua equipa em aceitar negócios abaixo de um milhão de dólares. Hogan despromoveu Sanders duas vezes em poucas semanas através das promoções de Joseph Van Poppelen e Douglas J. O’Conner para lugares hierarquicamente superiores ao de Sanders. Isto teve o efeito desejado e Sanders despediu-se e a maioria dos lugares-chave da Fairchild foram ocupados por executivos da Motorola.

Em poucas semanas, Jerry Sanders foi abordado por outros quatro ex-funcionários da Fairchild da divisão de produtos analógicos, que queriam formar uma empresa. A ideia destas quatro pessoas seria fabricar circuitos analógicos porque o êxodo da Fairchaild estava a criar um grande número de startups que procuravam investidores para entrar na loucura do fabrico de circuitos digitais. Sanders entrou quando conseguiu que lhe assegurassem que a nova empresa também iria entrar no mercado dos circuitos digitais. A equipa teria oito membros, incluindo Sanders, Ed Turney (um dos melhores vendedores da Fairchild), John Carey, o desenhador de chips Sven Simonssen e os quatro membros da divisão de circuitos analógicos: Jack Gifford, Frank Botte, Jim Giles e Larry Stenger.

O logótipo original da AMD.

A Advanced Micro Devices, como viria a ser conhecida, teve um começo atribulado. A Intel tinha conseguido garantias de investimento em menos de um dia, porque era uma empresa fundada por engenheiros, mas os investidores tinham mais dúvidas em meter dinheiro numa empresa de semicondutores dirigida por executivos de marketing. A primeira tentativa de obter os 1,75 milhões de dólares necessários para começar as operações da AMD foi junto de Arthur Rock, que tinha investido na Fairchild Semiconductor e na Intel. Rock não quis investir. O mesmo se passou com outras potenciais fontes de financiamento.

Eventualmente, Tom Skornia, o primeiro representante legal da AMD, bateu à porta de Robert Noyce. Assim um dos fundadores da Intel tornou-se um dos primeiros investidores na AMD. A integração do nome de Noyce na lista de investidores deu à AMD um maior grau de legitimidade junto dos potenciais investidores. Seguiram-se mais compromissos de investimento com o valor alvo de 1,55 milhões de dólares a ser atingido antes do final do dia 20 de Junho de 1969.

Os primeiros tempos da Intel

O arranque da Intel foi mais simples, o que permitiu à empresa a começar logo a trabalhar depois de obter o dinheiro. O seu primeiro produto comercial foi também um dos cinco primeiros produtos a revolucionar tanto a indústria dos semicondutores e o panorama da informática.

A Honeywell, um dos fabricantes de computadores que vivia na sombra da IBM, abordou várias empresas de fabrico de chips a pedir para construírem um chip de RAM estática de 64 bits.

A Intel já tinha formado duas equipas para o fabrico de chips. Uma para o fabrico de transístores MOS liderada por Les Vadász e outra para o fabrico de transístores bipolares, liderada por Dick Bohn. A equipa de Bohn foi a primeira a tingir o objectivo e o primeiro chip SRAM de 64 bits foi entregue à Honeywell em Abril de 1969 pelo responsável pelo design, H.T. Chua. A prova da capacidade de produzir componentes para uma encomenda de 1 milhão de dólares melhorou ainda mais a reputação da Intel.

O primeiro produto da Intel, o chip de memória 3101. Crédito: Intel

De acordo com as convenções de designação de produtos na altura, o novo chip SRAM era designado pelo seu número de catálogo (part number): 3101. A Intel, tal como praticamente todos os fabricantes de chips da altura, não vendia directamente os seus produtos aos consumidores finais, só a engenheiros dentro de empresas. Pensava-se que os números de catálogo, principalmente se significassem alguma coisa, como o número de transístores, diziam mais aos potenciais clientes do que se tivessem um nome comercial. Pensava-se também que um produto com um nome específico podia percepcionar-se que o nome serviria para esconder problemas ou falta de funcionalidades. A Intel só abandonou a numeração para designar os seus produtos muitos anos mais tarde e só porque um número não pode ser registado como marca.

Enquanto a equipa de transístores bipolares conseguiu construir o primeiro produto de sucesso da Intel, a equipa de transístores MOS conseguiu identificar o culpado dos problemas que estava a ter com os seus produtos. O processo de fabrico de gates de silício MOS necessitava de muitos ciclos de aquecimento e arrefecimento. Estes ciclos causavam variações nas taxas expansão e contracção entre o silício e o óxido metálico, o que originava fendas que estragavam os circuitos no chip. A solução encontrada por Gordon Moore foi a de acrescentar impurezas ao óxido metálico para baixar o ponto de fusão, o que permitiria ao óxido fluir com os ciclos de aquecimento. O resultado surgiu em Julho de 1969 e tornou-se o primeiro chip de memória comercial MOS, o 1101 de 256 bits.

RAM

A Honeywell quis comprar o sucessor do 3101, denominado 1102, no entanto um projecto paralelo de Vadász com Bob Abbott, John Reed e Joel Karp, denominado 1103, mostrou potencial considerável. Ambos eram baseados em células de três transístores, propostas por William Regitz da Honeywell e prometiam uma maior densidade e um custo de fabrico mais baixo. O problema é que esta memória não conseguia manter informação sem a presença de electricidade e os circuitos necessitavam que lhes fosse aplicada energia a cada dois milissegundos.

O chip de memória 1101 da Intel. Crédito: Intel

Nesta altura, a memória de acesso aleatório (RAM) era construída usando de circuitos de núcleo magnético. Essa tecnologia tornou-se obsoleta com o lançamento dos chips DRAM (Dynamic Random Access Memory) 1103 da Intel em Outubro de 1970. Na altura em que as dificuldades de fabrico foram resolvidas, no início do ano seguinte, a Intel já tinha uma grande vantagem num mercado em crescimento acelerado. Essa vantagem manteve-se até os fabricantes japoneses causarem uma forte queda de preços no mercado das memórias no início dos anos 80 através de grandes investimentos na capacidade de fabrico.

A Intel fez uma campanha de marketing a nível nacional a convidar os utilizadores de memórias magnéticas a entrar em contacto com a Intel, para baixar os custos da memória dos seus sistemas com a mudança para a DRAM da Intel. Inevitavelmente os clientes tentavam encontrar uma segunda fonte de fornecimento de chips, numa altura em a diferença entre os chips fabricados e os utilizáveis era grande e o fornecimento não podia ser garantido.

Andy Grove estava contra usar uma segunda fábrica de chips para a Intel, mas como era uma empresa jovem tinha de conseguir cumprir as espectativas do mercado, escolheram uma pequena empresa canadiana, a Microsystems International Limited (MIL), como segunda linha de produção. A razão por trás disto era o receio de que se escolhessem uma empresa maior, esta podia vir a dominar a Intel no seu próprio negócio. A Intel ia ganhar 1 milhão de dólares pelo acordo de licenciamento e mais quando a MIL tentasse aumentar o lucro através do aumento do tamanho das wafers (quando são fabricados, os chips vêm em grandes peças redondas chamadas ‘wafers’ (bolachas), um dos passos do fabrico é o retirar dos chips individuais dessas wafers) de duas polegadas para três e ao mesmo tempo reduzir o tamanho dos chips individuais. Os clientes da MIL viraram-se para a Intel depois de descobrirem que maioria dos chips fabricados pela empresa tinham defeitos.

Um wafer de silício em que são impressos circuitos integrados. – Wikipedia

Esta má experiência da Intel não é indicativa da indústria num todo, nem tão pouco foram os problemas que tiveram com uma segunda fonte de chips. O crescimento da AMD foi muito ajudado por se ter tornado uma segunda linha de montagem de chips TTL (Transitor-Transistor Logic) da série 9300 da Fairchild e por ter desenhado e entregue um chip personalizado para a divisão militar da Westinghouse, que a Texas Instruments tinha sido incapaz de produzir a tempo.

ROM

Os problemas iniciais que a Intel teve com o processo de fabrico ‘silicon gate’ levaram também à criação do terceiro e mais lucrativo chip destes dias iniciais do fabrico de circuitos integrados. A Intel atribuiu ao jovem físico Dov Frohmann, também ex-Fairchild, a tarefa de investigar os problemas com os processos de fabrico. O que Frohmann descobriu foi que as portas (gates) de alguns transístores se tinham desligado e estavam a flutuar acima ou inseridas dentro do óxido que as separava dos seus eléctrodos.

Frohmann também demonstrou a Gordon Moore que estas ‘portas flutuantes’ podiam manter uma carga eléctrica graças ao material isolador que as rodeava (em alguns casos várias décadas), e, por isso, podiam ser programadas. Para além disto, carga eléctrica das ‘portas flutuantes’ podia ser dissipada usando radiação ultravioleta ionizada, o que apagava a programação.

Um chip EPROM. Crédito: Intel

A memória permanente convencional obrigava a que os circuitos de programação fossem definidos durante o fabrico, com fusíveis integrados no desenho para acomodar variações na programação. Este método é caro em escalas pequenas, obriga a ter vários chips diferentes para poder dar resposta a necessidades individuais e também obriga a alterações no desenho dos chips cada vez são redesenhados ou actualizados.

A memória EPROM (Erasable Programmable Read-Only Memory) revolucionou a tecnologia, tornando a programação de memória permanente muito mais acessível e muito mais rápida, porque a partir deste momento os clientes não tinham de esperar que os chips com uma programação específica de que necessitavam fossem produzidos.

O aspecto menos bom desta tecnologia é que, para permitir a reprogramação através de luz UV, é necessário integrar uma pequena janela de quartzo directamente acima do chip propriamente dito, para permitir que a luz entrasse, o que torna estes chips muito mais dispendiosos. O custo viria a ser reduzido com a utilização de EPROM que podia ser gravada uma única vez e que dispensava a existência da janela de quartzo e das ROM que podem ser apagadas electricamente (EEPROM).

Tal como aconteceu com o 3101, o aproveitamento da produção de chips era muito pobre, menos de 1% na maioria dos casos. A EPROM 1702 necessitava de uma voltagem muito precisa para que a gravação dos dados fosse bem-sucedida. Mas as variações na produção traduziam-se requisitos de voltagem de escrita inconsistentes – pouca voltagem e a programação ficava incompleta, voltagem a mais e o chip podia ser destruído. Um engenheiro que tinha vindo da Philco, Joe Friedrich descobriu um método que aumentava o aproveitamento de um chip a cada duas waffers para 60 por waffer. O método, chamado ‘walking out’ funcionava através da aplicação de voltagem negativa ao chip antes de ser programado e, como não o altera fisicamente, outros fabricantes que vendiam chips desenhados pela Intel não conseguiram descobrir rapidamente porque é que a empresa conseguiu o aumento súbito no aproveitamento dos chips. Este aumento fez com que a o lucro da Intel aumentasse 600% entre 1971 e 1973. Este aproveitamento, muito superior ao de outras empresas, deu uma grande vantagem à Intel em relação a componentes semelhantes da AMD, National Semiconductor, Sigtronics e MIL.

Processador

A ROM e a DRAM eram dois componentes essenciais de um sistema que se tornaria um marco no desenvolvimento da computação pessoal. Em 1969, a Nippon Calculating Machine Corporation (NCM) abordou a Intel para o fornecimento de um sistema com 12 chips para uma nova calculadora de secretária. Nesta altura a Intel estava a desenvolver os seus chips SRAM, DRAM e EPROM e tinha muita vontade de obter os seus primeiros contratos de fornecimento de componentes.

A proposta original da NCM requeria um sistema com oito chips específicos para a calculadora, mas TED Hoff da Intel teve a ideia de se inspirar nos minicomputadores da época, que eram maiores. Em vez de usar chips individuais para tarefas individuais, a ideia era conceber um chip que conseguia completar vários tipos de trabalhos, transformando tarefas individuais em sub-rotinas, como faziam os computadores maiores, ou seja, um único chip para várias tarefas. A ideia ia reduzir o número de chips necessários de oito para quatro: um ‘shift register’ (Registador de deslocamento) para entrada e saída de dados, um chip de ROM, um chip de RAM e o novo chip processador.

A NCM e a Intel assinaram o contrato de fornecimento a 6 de Fevereiro de 1970 e a Intel recebeu um adiantamento de 60000 dólares contra uma encomenda mínima de 60000 kits (com um mínimo de oito chips por kit) durante três anos. O trabalho de tornar realidade os novos chips seria entregue a mais um dos descontentes que tinham saído da Fairchild.

Federico Faggin estava descontente tanto com a inabilidade da Fairchild em traduzir os seus avanços em pesquisa e desenvolvimento em produtos comerciais, antes que fossem aproveitados por rivais, como por continuar a ser o engenheiro encarregue dos processos de fabrico dos produtos da empresa, quando o que queria mesmo fazer era arquitectura de chips. Faggin foi convidado por Les Vadász para dirigir um projecto de design sabendo apenas que era “desafiante”. Faggin só soube no que se estava a meter a 3 de Abril de 1970, o seu primeiro dia de trabalho na Intel. No dia seguinte teve uma reunião com o representante da NCM, Masatoshi Shima, que esperava ver o desenho da lógica do processador em vez de ouvir o que a pessoa que estava no projecto há menos de um dia, tinha para dizer.

A equipa de Faggin, a que se juntou o representante da NCM durante a fase de desenho dos chips, começou logo a trabalhar. O projecto do componente mais simples, o 4001 foi terminado numa semana, e o desenho foi feito num mês com recurso a um único desenhador. Em Maio, o 4002 e 4003 foram terminados e começou o trabalho no microprocessador 4004. As primeiras unidades de pré-produção saíram da linha de montagem em Dezembro, mas devido ao facto de uma camada de contacto ter sido omitida durante o fabrico, todas as unidades foram consideradas não funcionais. Uma segunda versão corrigiu o erro e três semanas depois os quatro chips, 100% funcionais estavam prontos para a fase de testes.

O Intel 4004, o primeiro processador comercial da história. Crédito: Wikipedia.

O 4004 podia ter sido apenas uma nota de rodapé na história dos semicondutores se se tivesse mantido um componente feito à medida para a NCM, mas os preços da electrónica de consumo, cada vez mais baixos, especialmente no mercado muito competitivo das calculadoras de secretária, obrigaram a NCM a pedir à Intel uma redução de preço em relação ao que estava contratualizado. Armado com o conhecimento de que o 4004 podia ser utilizado em muitas outras aplicações, Bob Noyce propôs uma baixa no preço e a devolução de 60000 dólares do sinal que a NCM tinha dado à Intel, em troca da possibilidade de vender o 4004 a outros clientes, em mercados para além do das calculadoras. Assim, o 4004 transformou-se nom primeiro microprocessador comercial.

Os dois outros processadores mais importantes desta altura estavam integrados em sistemas proprietários: o MP944 da Garrett AiResearch era um componente do computador de bordo do caça F-14 Tomcat da Grumman, responsável pelo controlo das asas de geometria variável da aeronave e o TMS 1000 da Texas Instruments, que inicialmente, estava apenas disponível como um componente em calculadoras portáteis, como a Bowmar 901B.

O TMS 1000 foi o primeiro microcontrolador de sempre. Crédito: Wikipedia

Enquanto que o 4004 e MP944 necessitavam de outros chips para funcionar (RAM, ROM e I/O), o chip da Texas Instruments combinava todas essas funcionalidades num único componente, o que o tornou o primeiro microcontrolador, ou computador num chip, como era vendido na altura.

Em 1971 e 1976 a Texas Instruments e a Intel iriam entrar num acordo de licenciamento que envolvia a troca de propriedade intelectual em lógica, processos de fabrico, microprocessadores e microcontroladores que iniciaria uma era de licenciamento cruzado, parcerias e de patentes como armas comerciais.

Evolução

O fim do desenho do MCS-4 da NCM libertou recursos na Intel para a empresa se pudesse lançar num projecto ambicioso, anterior ao desenho do 4004. Nos finais de 1969, com o dinheiro que obteve com a sua oferta pública de venda, a Computer Terminal Corporation (CTC, mas tarde a Datapoint) contactou a Intel e a Texas Instruments para a construção de um controlador de 8 bits para terminais.

A Texas Instruments deixou o projecto cedo e o desenvolvimento do projecto 1201 da Intel começou em Março de 1970, mas perdeu ímpeto em Julho quando o director, Hal Feeney, foi destacado para o projecto das memórias RAM estáticas. Eventualmente a CTC optou por usar um conjunto de chips TTL, mais simples, à medida que os prazos se aproximavam. O projecto 1201 ia arrastar-se até que a Seiko mostrar interesse nele e o quis usar numa calculadora de secretária.

No contexto actual, a ideia de que o desenvolvimento de um microprocessador possa ter menos importância do que o desenvolvimento de chips de memória é algo incompreensível, mas no final dos anos 60, início dos anos 70 do século passado, a computação era dominada pelos mainframes e minicomputadores. Menos de 20000 mainframes eram vendidos por ano no mundo todo e a IBM dominava completamente este mercado, onde também operavam a UNIVAC, GE, NCR, CDC, RCA, Burroughs e Honeywell. Enquanto que a Digital Equipment Corporation (DEC) dominava o mercado dos minicomputadores. A gestão da Intel e de outros fabricantes de microprocessadores não conseguiam ver os seus produtos a ultrapassar o mercado das mainframes e minicomputadores, enquanto que os chips de memória podiam entrar nestes sectores em grandes quantidades.

O processador Intel 8008. Crédito: Wikipedia.

O 1201 chegou em Abril de 1972, com o nome mudado para 8008 para indicar que era uma evolução do 4004. Este novo chip teve algum sucesso, mas tinha o handicap de utilizar um packaging de 18 pinos o que limitava as opções de Input/Output e barramento exterior. A fraca velocidade e a obrigatoriedade de ser programado usando assembler e código máquina, o 8008 estava muito longe da usabilidade dos CPU modernos, apesar do lançamento da drive de disquetes de 8 polegadas da IBM tivesse dado alguma força a este mercado nos anos seguintes.

O esforço para adopção generalizada dos processadores 4004 e 8008 que a Intel fez resultou na sua incorporação nos primeiros sistemas de desenvolvimento que a empresa construiu: o Intellec 4 e Intellec 8, este último desempenhou um papel importante no desenvolvimento do primeiro sistema operativo desenvolvido para um microprocessador.

O feedback dos utilizadores, potenciais clientes e a crescente complexidade dos processadores utilizados em calculadoras resultaram na evolução do 8008 para o 8080, que esteve na base do desenvolvimento da computação pessoal tal como a conhecemos.

Sou director da PCGuia há alguns anos e gosto de tecnologia em todas as suas formas. Estou neste mundo muito por culpa da minha curiosidade quase insaciável e por ser um fã de ficção científica.
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