O som do silêncio. Duelo de auscultadores com cancelamento de ruído Sony e Bose.

Por: Pedro Tróia
Tempo de leitura: 14 min

Confesso que sou um aficionado de auscultadores. O facto de podermos entrar para um espaço musical pessoal para concentrarmo-nos no que estamos a fazer, eliminar o ruído exterior tem um apelo muito grande para mim.

Mas muitas vezes o facto de termos dois altifalantes agarrados à cabeça não é o suficiente para conseguirmos abstrair-nos do som ambiente. O melhor exemplo disto é quando se viaja de avião, quando se usam auscultadores tradicionais, o som dos motores parece que se mete por todo o lado, o que obriga a usar os auscultadores com um volume muito acima do que é normal usarmos (e recomendável).

Por isso em 1978, o Dr. Amar Bose, o fundador da Bose, teve a ideia de desenvolver uns auscultadores que fossem capazes de reduzir o ruído exterior activamente, em vez de utilizar apenas camadas de isolamento para abafar o som ambiente.

No entanto a ideia de encontrar um meio de reduzir activamente a interferência do som ambiente é muito mais antiga. Em 1878 um engenheiro inglês testou um meio de redução activa de ruído usando dois telefones, provando que um sistema deste tipo era exequível, mas simplesmente a tecnologia para criar um produto com base nesta descoberta ainda não existia nesta altura.

Voltando a Bose, o engenheiro americano iniciou o processo de desenvolvimento dos modelos matemáticos para criar uma aplicação prática de ideia dos auscultadores com redução de ruído, mas só em 1989 é que foi lançado o primeiro modelo.
Este avançou só foi possível porque, entretanto, foi desenvolvida uma tecnologia que possibilitou o fabrico destes produtos: os processadores digitais de sinal.

Como funciona a tecnologia de cancelamento activo de ruído?

Na prática, os auscultadores com cancelamento de ruído captam o som ambiente e depois geram uma onda sonora igual, mas invertida. Isto anula o som ambiente que está a chegar aos auscultadores, deixando apenas o som que o utilizador está a ouvir.

Este método, em conjunto com o isolamento dos próprios auscultadores, consegue anular cerca de 20 decibéis. Isto quer dizer que cerca de 70% do som ambiente é bloqueado.

Os auscultadores com cancelamento de ruído funcionam muito bem em ambientes em que o som é mais ou menos constante, como aviões ou comboios. Quando se está num ambiente em que há pessoas a falar são menos eficazes porque as frequências de cada voz humana podem mudar muito durante uma conversa, logo são mais difíceis de bloquear.

Depois de todo este enquadramento, vamos falar do que nos traz aqui. Vamos comparar dois pesos pesados do mercado dos auscultadores com cancelamento activo de ruído: os Bose Quiet Confort 35 e os Sony WH-1000XM3.

Bose Quiet Confort 35

Como se vê pela introdução, a Bose tem pergaminhos neste mercado, quando mais não seja pelo pioneirismo. Por isso a expectativa de testar os Quiet Confort era alguma.
Quando se tiram da caixa, a primeira coisa que se nota é que estes auscultadores são extremamente bem construídos e os materiais empregues são de primeira qualidade. Cada altifalante é revestido a metal do lado de fora, de forma a dar um pouco mais de resistência à utilização, as almofadas dos altifalantes são em pele sintética e não são exageradamente pesados.

No altifalante do lado direito estão os controlos principais, como o interruptor para ligar e desligar (que também serve para emparelhar através do sistema Bluetooth), os controlos de volume, a entrada USB para carregar a bateria e a antena NFC para o sistema de emparelhamento rápido com smartphones que suportem essa função. Do lado esquerdo está a entrada jack de 3,5 mm para a ligação analógica e um “botão de acção” que pode servir, por exemplo, para invocar um assistente pessoal, como o Alexa ou o Google Assistant.

Como disse no início, estes auscultadores são suficientemente leves e confortáveis para utilizar durante longos períodos de tempo. Mas, como todos os auscultadores deste tipo, que necessitam de um bom isolamento, depois de algum tempo começa-se a ficar de “orelhas quentes” e não estou a dizê-lo por falarem mal de nós, mas porque realmente ficam algo quentes porque a pele não respira.

A Bose disponibiliza uma aplicação que serve para fazer a gestão dos auscultadores através de um dispositivo iOS ou Android. Esta aplicação é muito simples de utilizar, mas não é essencial para tirar total partido dos auscultadores. Através dela consegue alterar algumas características do som, controlar a reprodução de conteúdos e actualizar o firmware dos auscultadores.

Sony WH-1000XM3

A Sony fabrica auscultadores com cancelamento de ruído desde 1995 com o lançamento dos MDR-NC10, uns auscultadores in-hear que tinham toda a electrónica de cancelamento de ruído instalada no cabo. Mais tarde, em 2008, foram lançados os MDR-NC 500 D, o primeiro modelo de auscultadores over-hear, que tinha a particularidade interessante de, para além da bateria interna, tinham uma caixinha onde se instalavam duas pilhas AA para os alimentar e assim funcionarem durante mais tempo.

Este ano surgiram os WH-1000XM3, a mais recente iteração da família de auscultadores com cancelamento de ruído da marca japonesa.

Por fora, estes auscultadores são muito semelhantes aos da geração anterior (WH-1000XM2), com um design minimalista, botões pequenos e um trackpad na parte de fora do auscultador direito que serve para controlar a reprodução dos conteúdos.

No auscultador esquerdo estão os botões para ligar e desligar e para controlar o modo de funcionamento do sistema de redução de ruído. Do lado direito está a entrada USB Type-C para carregar a bateria interna.

Do lado esquerdo está o botão programável que permite activar um assistente por voz ou fazer outras coisas que o utilizador quiser.
O trackpad que mencionei anteriormente oferece algumas possibilidades interessantes: por exemplo se quiser controlar o volume basta deslizar o dedo para cima ou para baixo. Se quiser passar para o tema seguinte ou para o anterior, basta arrastar para a esquerda ou para a direita. Se quiser suspender, ou retomar, a reprodução basta tocar uma vez. Se quiser desligar temporariamente o sistema de cancelamento de ruído, para ouvir o que se passa à sua volta, é só colocar a mão em cima do trackpad.

Tal como acontece com a Bose, a Sony também disponibiliza uma aplicação para iOS e Android que serve para controlar vários aspectos do funcionamento dos auscultadores. Por exemplo a app detecta se está a andar ou parado e justo o perfil de cancelamento de ruído, também tem um equalizador e até ajusta o cancelamento de ruído em função da pressão do ar, o que dá um jeito particular quando se está a bordo de um avião.

Estes auscultadores podem funcionar com ou sem fios (através de Bluetooth). Tal como todos os outros, as almofadas têm um revestimento em pele sintética. Apesar de ter acabamentos em plástico, a qualidade de montagem é excelente.

A andar por aí

Para testar estes auscultadores utilizei a playlist ‘Songs to test headphones with’ do Spotify. Sim, o Spotify não é o cúmulo da qualidade de som, mas também há pior. Esta playlist tem 150 músicas que oferecem uma grande gama de som, desde sons delicados até graves potentes que fazem estremecer qualquer esqueleto.

Para os testar foi dar uma volta de metro, regressei de autocarro e ainda os utilizei na nossa redacção durante um dia de trabalho típico com pessoas a falar e telefones a tocar.

Tanto os Bose, como os Sony foram testados através de uma ligação sem fios Bluetooth e com smartphone Huawei Mate 20 Pro.

Sony

Uma das coisas que se nota nos Sony é que eles se esforçam em apagar todos os sons que venham de fora, seja o do transito, do comboio ou de pessoas a falar. Nos dois primeiros casos funcionam às mil maravilhas, no último não tanto. As vozes ficam a parecer que as pessoas que estão a falar ao pé de nós inalaram um balão de hélio, agudas e com uma sonoridade estranha. Isto acontece porque o processador dos auscultadores está a fazer os possíveis para as remover, mas não tem velocidade suficiente.
De resto, no metro e no autocarro, mesmo sem música, o som chega aos ouvidos mais como uma sensação de que o som lá está, do que som real. Nota-se que os engenheiros japoneses pensaram muito na melhor forma de conseguirem remover todos os sons estranhos que se podem interpor entre o utilizador e a música ou chamada telefónica e pode dizer-se que estes Sony WH-1000XM3 são o culminar de todo este trabalho.

A qualidade do som é muitíssimo boa, mesmo num tema como ‘Bubbles’ de Yosi Horikawa, que reproduz vários várias bolas a cair ao chão a e ficarem a saltitar, consegue-se perceber os vários tipos de sons até nas alturas mais barulhentas. Os graves também são potentes sem parecer abafados.

O sistema de controlo através de toque não é suficientemente sensível para ser accionado sem querer, aliás até é um pouco o inverso porque se tem de colocar o dedo mesmo no sítio certo ou então muitas vezes não regista o comando do utilizador.

A Sony anuncia 30 horas de autonomia quando se utilizam estes auscultadores com o sistema de cancelamento de ruído ligado e nos meus testes andei muito perto deste valor, com 27 horas mais alguns minutos, até ter de os carregar outra vez.

Bose

Os Bose portaram-se lindamente no teste. A qualidade da redução de ruído está ao nível dos auscultadores da Sony, aliás até os ultrapassou no teste quando andei de autocarro. Tal como na outra proposta também as vozes das pessoas a falar à minha volta adquiriram um tom estranho quando se ouvem através dos auscultadores com o sistema de redução de ruído ligado.

No que toca ao som é o típico Bose com graves poderosos e agudos e meios-tons com recorte, mas que, às vezes, chegam a ser um pouco “afogados” nos graves.

O tempo de bateria anunciado pela Bose anda pelas 20 horas quando são utilizados através de Bluetooth e chegámos muito perto deste valor com 18h e uns trocos.

Estes auscultadores têm um sistema de controlo um pouco mais “tradicional” com botões que permitem controlar o volume e parar e retomar a reprodução. Para passar para a música seguinte tem de se dar dois cliques no botão de reprodução de som, para passar para a anterior tem de se dar três. Como não tem uma tecla dedicada para controlar o sistema de cancelamento de ruído, o botão de acção pode ser atribuído a esta função, o que impede a sua utilização para outras coisas.

Ponto final

Francamente, se comprar um, ou outro, não vai ficar decepcionado, quer no que respeita à qualidade do som reproduzido, quer no que respeita ao cancelamento de ruído exterior, ou na qualidade de construção.

Tanto os Sony, como os Bose, são supremamente eficazes a filtrar o ruído, mesmo quando não se tem qualquer música a tocar e só se quer um pouco de silêncio. O som é sólido e limpo nuns e noutros.

Se olharmos para as funcionalidades e comodidade de utilização destas duas propostas, os Sony ficam à frente. O trackpad e as funcionalidades que a app acrescenta fazem a diferença.

Resta o preço. E até neste campo as coisas ajudam à indecisão. É que só estão separados por 5 cêntimos:

Bose Quiet Confort 32 II – €379,95
Sony WH-1000XM3 – €380

Sou director da PCGuia há alguns anos e gosto de tecnologia em todas as suas formas. Estou neste mundo muito por culpa da minha curiosidade quase insaciável e por ser um fã de ficção científica.
Exit mobile version